Estudos britânicos associam doença nas crianças ao vírus AAV2
Dois estudos britânicos sugerem uma associação do quadro de hepatite misteriosa em crianças ao vírus adeno-associado (AAV2), que foi encontrado em 96% das amostras analisadas. Os cientistas não encontraram ligação direta com a Covid-19, que havia sido apontada como potencial causa dos quadros. Submetidas ao site MedRxiv como pré-impressões, as pesquisas aguardam análise de pares.
De abril até 8 de julho, 35 países relataram 1.010 casos prováveis da hepatite aguda grave em crianças, conforme boletim mais recente da Organização Mundial de Saúde (OMS). Também há registro de 22 mortes. Quase metade (48%) dos casos são da Europa. O Brasil tem apenas duas notificações, de acordo com a tabela da OMS.
O boletim da organização destaca que testes laboratoriais excluíram os vírus da hepatite A, B, C, D e E nessas crianças. Em relação aos casos europeus, o Sars-CoV-2 (vírus causador da covid) foi detectado em 16% deles — embora os dados estejam incompletos, destaca a OMS –, e o adenovírus (vírus causador do resfriado comum) em 52%.
Os dois novos estudos, que foram conduzidos independentemente, mas de forma simultânea, jogam luz sobre um outro vírus que pode estar desempenhando papel significativo na alta de casos, o adeno-associado. Da família dos parvovírus, normalmente “inofensivo” e sem capacidade de se replicar sem um vírus “auxiliar”, como o adenovírus ou o herpesvírus, foi encontrado em níveis muito altos no sangue e no fígado dos pacientes amostrados.
Com isso, os pesquisadores apontam que a coinfecção com dois vírus — o AAV2 e um adenovírus ou, menos frequentemente, um herpesvírus — pode melhor explicar o avanço da doença hepática grave. Contudo, pedem colaboração internacional para elucidar ainda mais o papel do adeno-associado.
As novas descobertas também colocam em xeque a suspeita de elo com a Covid-19. Os cientistas de Londres não encontraram Sars-CoV-2 no fígado dos pacientes, e os escoceses apontaram que apenas dois terços das crianças tinham anticorpos contra a infecção.
Judith Breuer, professora do Instituto de Saúde da Criança da University College London, disse que espera que os resultados possam tranquilizar pais preocupados com a Covid. “Nenhuma das equipes encontrou nenhuma ligação direta com a infecção por Sars-CoV-2. Nossos dados, no entanto, apontam para o AAV2 no fígado e/ou sangue dos casos como o biomarcador mais forte para a hepatite”, frisou.
Emma Thomson, professora clínica e consultora em doenças infecciosas da University of Glasgow, destacou que é preciso melhor entender sobre a circulação do AAV2, que não é rotineiramente monitorado. “Pode ser que um pico de infecção por adenovírus tenha coincidido com um pico de exposição ao AAV2”, sugeriu. (Estadão Conteúdo)