Cerca de 60% dos pacientes não respondem bem ao tratamento
Um grupo que reúne pesquisadores do Brasil e de Portugal desvendou as alterações moleculares que indicam a resistência de tumores de cabeça e pescoço ao cetuximab, uma das poucas terapias aprovadas para esse tipo de câncer. Cerca de 60% dos pacientes não respondem bem ao tratamento.
Com os resultados, publicados na revista Cells, espera-se que os médicos possam em breve prever quais pacientes responderão ou não ao tratamento, considerado de alto custo. Baseados nos resultados, os pesquisadores sugerem ainda testar combinações do cetuximab com outros fármacos, a fim de reverter a resistência ao agente.
“O tratamento para os tumores de cabeça e pescoço tem evoluído relativamente pouco e evolve ainda basicamente cirurgia, radioterapia e quimioterapia. O cetuximab é revolucionário, por ser uma terapia específica para um receptor celular bastante alterado nesses tumores, conhecido pela sigla EGFR”, explica Rui Manuel Reis, pesquisador do Hospital de Amor – anteriormente conhecido como Hospital do Câncer de Barretos – e da Universidade do Minho, em Portugal.
Até então, não se sabia o que causava a resistência ao medicamento em uma parcela dos pacientes com tumores de cabeça e pescoço. Esse é um fator decisivo na decisão sobre como tratá-los. Além disso, a incapacidade de prever o sucesso do tratamento de alto custo faz com que ele não seja incluído no rol de medicamentos cobertos pelo Sistema Único de Saúde (SUS) para esse tipo de câncer.
O cetuximab, porém, é utilizado de forma personalizada para tratar o câncer colorretal metastático, uma vez que existem testes genéticos para as mutações nos genes KRAS, NRAS e BRAF que predizem a resistência ao medicamento. A droga somente é administrada aos pacientes com potencial de responder de forma positiva.
O estudo publicado agora abre caminho para o desenvolvimento de abordagens personalizadas também para tumores de cabeça e pescoço.
“Analisamos linhagens resistentes – em nível de DNA, RNA e proteínas – e encontramos alguns biomarcadores que foram bastante expressos, como a proteína mTOR. Nossa proposta é também usar regimes de combinação do cetuximab com fármacos que inibam essas proteínas expressas, revertendo esse fenótipo de resistência”, conta Izabela Faria Gomes, que realizou o trabalho durante doutorado na unidade de saúde.
Atualmente, existem inibidores específicos da proteína e da via mTOR disponíveis no mercado. Dessa forma, a proteína que é expressa na linhagem resistente poderia ser inibida em regimes de combinação com outros fármacos que atuam sobre outras proteínas da mesma via de sinalização celular.
Linhagens resistentes
Para descobrir os mecanismos de resposta ao fármaco que podem estar ocorrendo, o grupo de Barretos desenvolveu um modelo in vitro para mimetizar a resistência que ocorre nos tumores dos pacientes.
Uma linhagem de tumor de cabeça e pescoço inicialmente sensível ao medicamento foi cultivada em laboratório e “bombardeada” por um ano com o cetuximab. As células que sobreviveram, ou seja, que desenvolveram resistência, foram então analisadas pelos pesquisadores por meio de diversas ferramentas moleculares para que se pudesse entender o que as tornava diferentes.
“Fizemos uma pressão seletiva nessa linhagem de tumor. À medida que ficava mais tempo exposta ao medicamento, ela se tornava mais resistente. Todas as alterações moleculares foram ficando mais visíveis”, relata Renato da Silva Oliveira, pesquisador que desenvolveu o método durante seu doutorado no Centro de Pesquisa em Oncologia Molecular do Hospital de Amor, sob orientação de Reis.
O modelo de resistência criado pelos pesquisadores está no momento sendo aperfeiçoado em parceria com o Instituto de Pesquisas Energéticas e Nucleares (Ipen) e com a Universidade do Alabama, nos Estados Unidos.
Futuramente, pode dar origem a um teste específico para detectar a resistência dos tumores de cabeça e pescoço à droga. Caso evolua para essa fase, o estudo poderá ser realizado em parceria com o A.C. Camargo Cancer Center, em São Paulo, onde alguns pacientes são tratados com o cetuximab.
O próximo passo da pesquisa é validar os achados em modelos animais e em pacientes refratários à terapia com cetuximab. Além disso, em estudos futuros, poderão ser testados regimes de combinações entre cetuximab e outros agentes terapêuticos. (Tem Mais)