Elos, Fatos & Afagos

1 de maio de 2024

Adeus, antes que acabe.

Fotógrafo:@maleyphoto

Aos experts da prorrogação, adeptos aos acréscimos infinitos aos segundos tempos. Aos inimigos de qualquer fim e que, assim como eu, não bebem só o último gole, mas enfiam a garrafa embaixo do braço para fingir que não acabou a festa.

Sempre tive uma dificuldade gigantesca com finalizações. Para mim, por muito tempo, sempre existiu um mantra: o que toca, fica. Como quem não quer nada, manipulei por muitas vezes o quase fim. Ficava com só com o quase. Brincava com o ponto, de birra fazia reticências, mais um parágrafo, um charme, um dengo e, em um laço: parênteses (no peito).

Talvez isso justifique as amizades com a minha idade. As coordenadas geográficas que quiseram ser ponto fixo na minha pele. Ou amor de adolescência que já beijou metade das minhas décadas.

Talvez explique minha mania de pegar pedrinhas pelo caminho e fazer uma espécie de santuário. De guardar o papel do doce para ler o amor em braile

Mas hoje, para contrariar a ideologia que ditou meus ciclos, cultuo o fim. O tempo nos ensina que emendar a corda não a torna mais flexível. Que manipular o ponto é matar a história. Que a ideia de eternidade veio para escravizar todo o tipo de amor.

Tudo que ultrapassa o limite do que deveria ser, mesmo com a intenção bonita de ser mais, golpeia sem misericórdia o que já foi. Longe de mim defender a superficialidade das relações, mas, hoje, ainda mais longe de mim defender matar o que há de bonito por essa ideia utópica de eternidade.

Os anos me fizeram ver muita beleza em barcos de travessia. Em botinho de fim de tarde que serve para te conduzir em distâncias curtas. Em pôr-do-sol na beira da canoa em águas que tem o cheiro do Brasil. O tempo me fez ver beleza no exato momento que a vida acontece.

Os piores amores e as amizades mais tóxicas que já vi a olhos nu, foram aqueles que não souberam dizer Adeus.

É preciso maturidade para saber que rios que se cruzam não deságuam no mesmo lugar. Que a passagem pode ser tão linda quanto caminhar junto, que há tanta beleza no perecível quanto naquilo que fez pacto com o tempo.

Se você olhar atento, tudo morre todos os dias. Adeus é fotossíntese da vida. Nada é exatamente igual ao que era um segundo atrás. Nos cabe, tão somente, respeitar o fluxo natural das coisas, o desaguar das águas de dentro, o mar que é ser (humano).

E, sem mascarar o peso do Adeus no meio do pescoço e o nó da angústia que ele traz, te conto um segredo: nem mesmo ele, cavaleiro do fim, pode vestir-se de permanência.

Por vezes, por querer, coincidência ou destino: Passagem volta a ser caminho, jangada se mostra navio oceânico, e o Adeus… escolhe ser até breve.

[…]
À morte de todas as coisas,
à mutabilidade de tudo.

Fernanda Padilha

Advogada, professora, especialista em Direito de Família e Sucessões e Doutoranda em Direito Civil pela Universidade de Buenos Aires, Argentina.

Escritora do Projeto Cultural Útero (Projeto aprovado pela Administração Pública Municipal e que tem como objetivo abordar pautas feministas de forma artística).

Amante da arte e defensora dos emocionados. Acredita no poder desmistificador das palavras e na força revolucionária do afeto.

  fernanda.padilha.ppndadvogados@gmail.com