Durante segundos elucubrei o movimentar de estonteantes passos frente as írises que buscavam algo a inspirar.
Rio de Janeiro.
2024.
Novembro.
Copacabana.
32 graus.
Uma manhã querida onde os passos matinais almejavam algo que destrancasse a brevidade da linguagem, as repetições, as pausas e ânsias. Até então, sucessivos intervalos dentro.
Afinal, temia-se, pois a maioria das doenças que as pessoas têm são poemas presos. Tumores, nódulos, pedras. Tremores. Mas, procurava-se a palavra líquida e poemas que colocassem os pés no chão.
As palavras de Duras* ressoavam a cada inspirar. Escrever é vida, é morte, como o encontro do mar com a água doce de Oxum.
Sim.
O destrancar foi iniciado no ritual num tampar de olhos. Olhou-se pro dentro.
Necessário era estar sozinha com a escrita. Era tentar não morrer. Se perder aí. Mergulhar.
A tal solidão mistificada, adjetivada perfidamente, substituída por uma palavra possível, menos doída, foi evocada na impossibilidade do olhar por segundos o fora. Era isso. O essencial precisava ser sentido. Aos poucos a solidão era percebida percorrendo os poros, as veias e corriam internamente. Escorriam.
Já era possível brincar e brindar com as palavras e amarrá-las às sensações, sentimentos e emoções que aos poucos brincavam entre si. Possibilitar o espaço pra elas serem. Mas, ainda algo faltava. Ainda quando saíam, se dissipavam. A dança nas colocações não acontecia.
Assim ficaram e tentaram fincar. Do lado de cá enquanto o tempo corria e escorria, enquanto a vida fluía.
O tempo que passava nos dias proporcionavam encontros precisos. A forma e o formato se formavam nos fatos…
Nos braços de Kierkegaard descobriu-se que o humano é uma síntese de infinitude e de finitude, do temporal e do eterno, de liberdade e de necessidade.
O colo de Heidgger chamou a refletir sobre a própria existência, a questionar o sentido da vida e a buscar uma maneira mais autêntica de ser neste mundo, que alguém se constitui a cada instante, em todas as suas relações com os outros e com o mundo.
Mas, Seu Zé, foi preciso.
– Cê tá cheia. Tá vendo este copo aqui? Cabe mais nada, mulher.
– Ebó na veia.
Vento que venta. Leveza que mora. Voando por dentro. Rasante na Alma. Peito que chora. Axé que dança no todo.
Axé…
**Quando, no meio de uma entrega ou expectativa apaixonada, o esperado subitamente nos decepciona, e o mundo se torna tão “outro”, a ponto de nos desenraizar totalmente roubando nosso chão, então, mais tarde, após termos reencontrado um apoio firme, voltamos em pensamentos a esses instantes, dizendo: “Caímos dos céus como que atingidos por um raio”.
***E então, quando penso que uma palavra, pode mudar tudo, quando penso que um passo descobre o mundo, um novo mundo nasce; passo.
Rio de Janeiro.
Trinta dos dias do cheiro do fim.
Na Aldeia que celebra.
A Sanfona no peito.
No afeto dos movimentos.
Na alegria que escorre.
Na poeira que sobe.
Nos passos deslizados no chão chorado e descansado do povo trabalhador.
Dancemos.
Antes que chegue o fim.
*Livro “Escrever” de Marguerite Duras
** O título do original: “Traum und Existenz”, Binswanger, Ludwig 1992/94: Ausgewählte Werke, v. 3, pp. 95-119. Este texto continua a série de traduções, iniciada pelos artigos de Medard Boss e de Henri Maldiney, que Natureza humana vem publicando com o objetivo de promover a recepção crítica de teorias psicoterápicas elaboradas em diálogo com Heidegger (N. do E.)
*** adaptação do Poema “Penso e passo” de Alice Ruiz.