Esse filme é sobre comunidade e imigração. Os quatro ‘elementos’ pouco têm a ver com suas fontes gregas antigas. (Hollywood, aqui, opera como é dele esperado: pega um conceito ou artefato histórico específico e o processa, digere, até sobrar um objeto neutro, insosso, que ele pode moldar para fins particulares.) – E é isso o que ele faz com as ‘raízes’ de Empédocles: terra, fogo, água e ar. A indústria cinematográfica retira, extrai tudo o que há de exótico, não-familiar, desconfortável nessa teoria pré-socrática e a reduz a algo inofensivo, cinza, pastoso – papinha-de-bebê intelectual. Dito de forma sucinta, ela transforma uma ideia filosófica em um item de prateleira de supermercado. – Esse é o primeiro passo dessa obra.
Ao ‘desarmar’ os elementos de qualquer aspecto estranho, alienígena ao mundo moderno, a Pixar prossegue com sua estória. Somos apresentados a uma família da sociedade do ‘Fogo’ que desembarca na Element City (uma metrópole pluricultural, i.e., composta por pessoas provenientes de todas as raízes). A tensão central dessa animação é a dificuldade de adaptação desses imigrantes a uma sociedade cosmopolita. Todas as diferenças e obstáculos encontrados pela Faísca – a personagem principal – e seus pais, Fagulha e Brasa, podem ser ligados àqueles enfrentados por estrangeiros buscando se integrar em uma nova sociedade. Essas adversidades incluem: abrir um novo negócio; sofrer discriminação; unir-se a outros da mesma origem naquela cidade (bairrismo ou distritismo); negar relações ou alianças com indivíduos de outras culturas; ser perseguido por órgãos ou instituições governamentais; etc. Todos esses problemas são apresentados ao longo da narrativa e a família Luz tem que, de algum jeito, dar conta de contornar ou driblar esses infortúnios.
Tudo sugere que esse núcleo seja uma alegoria a forâneos do Oriente Médio. O sotaque dos pais em inglês (algo que talvez tenha se perdido na dublagem), as palavras que proferem em sua língua materna (‘foguês’), o tradicionalismo e semi-misticismo deles indicam, novamente, uma ‘caricatura’ disneyista de uma família dessa parte do mundo. Desse modo, a Faísca seria a filha já americanizada se esforçando por conciliar ou harmonizar as contradições entre os costumes e moral de seus antepassados com as ‘necessidades globalizadas’ do liberalismo atual – que não dispõem de tempo para asneiras como ‘regionalismo’ ou ‘identidade ancestral’.
Enfim, “Elementos” manda uma mensagem complicada: ele confunde o desenvolvimento pessoal de uma menina com duas ‘culturas’ com a questão da imigração americana contemporânea. Mais uma vez é o código de ética dos estadunidenses falando mais alto: “Imigração não é um assunto ou tópico social, político. Ele não deve ser resolvido no nível legislativo ou parlamentar. Não. Na verdade, a solução dos contratempos trazidos pela imigração só pode ser descoberta no plano individual, psicológico, egóico.”
De novo, o cinema hollywoodiano deposita toda sua confiança no Eu solitário. Já vemos isso há tempos nas películas de super-heróis. Agora, infelizmente, esse mito começa a transbordar para dentro das animações.