Em 1998, Roger Ebert disse que “Armageddon” foi o primeiro trailer de 150 minutos lançado nos cinemas. “Você pode recortar quaisquer 30 segundos aleatoriamente [desse filme], e terá um comercial de TV”. Ecoando as suas palavras, de alguma forma, sinto que temos com “Elvis” o primeiro reel de TikTok de duas horas e meia. Se você destacar quaisquer 10, 20 segundos desse longa-metragem, acabará com um stories em suas mãos. Estamos presenciando, aqui, a influência explícita das redes sociais na percepção da realidade.

Para começar, a obra não é precisamente um musical. Claramente, Elvis performa muitas de suas canções ao longo da história e, quase sempre, há uma melodia ou composição sua tocando no fundo. Entretanto, como os personagens não interpretam ou dançam as baladas para nós, o público sentado no cinema, não podemos chamar esse filme de musical. A estrela do rock faz shows para as meninas nos camarotes de Memphis, Las Vegas – não para os espectadores fora do filme. Até aí, sem problemas: “Elvis” faz parte de uma sequência de biografias sobre músicos que têm saído recentemente (Bohemian Rhapsody [2018], sobre Freddie Mercury; Rocketman [2019], sobre Elton John; Respect [2021], sobre Aretha Franklin; etc.). Porém, essa produção faz questão de alienar a audiência da experiência de estar nas pistas dos EUA nos anos 60 e 70. É justamente nisso que consiste seu aspecto “tiktokiano”: a toda hora, você está consciente de estar vendo uma tela, uma ficção. Em nenhum momento algo do filme parece “concreto”, “verdadeiro”. Mas, por que tal impressão? Pensamos que é exclusivamente devido a sua estética e ritmo. As músicas parecem coladas ou sobrepostas aos atos. Assim como alguém simplesmente cobre ou acrescenta uma canção ao seu vídeo no Instagram, o diretor aparenta jogar ou revestir uma cena com uma composição famosa do Elvis. Dessa forma, não há uma mescla ou fusão harmônica entre trilha sonora e atuação, como em musicais clássicos (e.g., Swing Time [1936]) ou biópicos (e.g., Walk the Line [2005]). O que ocorre é o inverso: o que gradualmente entendemos ao longo da narrativa é que não há relação entre a música e a estória, ou melhor, não há vínculo entre som e imagem. Da mesma maneira que seu amigo ou amiga insere uma canção sobre seu vídeo de uma praia ou pôr-do-sol, o filme enfia um sucesso dos anos 60 em uma passagem ou situação avulsa.

Como toque final, o diretor escolhe polvilhar excessivamente a obra com letreiros e “cartões de títulos” – mais um fator que faz tudo nessa biografia parecer um meme.

Enfim, “Elvis” é a última tentativa midiática de unir a estética das redes sociais com a semiótica básica do cinema. Buscaram fazer isso já com The Mitchells vs. The Machines (2021) e The Green Knight (2021) – que, diga-se de passagem, foram muito mais bem-sucedidos em sua confluência de meme e filme. Se você assistir esse lançamento, procure detectar onde estão os excessos de uma obra que insiste em te fornecer o que seu celular, por bem ou por mal, já te dá.

Michael Gartrell

Formado em filosofia, hoje levo adiante um doutorado sobre a história da percepção. Escritor e acadêmico voltado para pintura e cinema.

A arte, muitas vezes, é inconsciente da realidade que ela manifesta. Estamos aqui para entender o que ela tornou visível mas se recusa a enxergar.

  michael.gartrell@hotmail.com