Guerra Civil

Por Michael Gartrell – 2024

Este é um filme de guerra? Demorou um pouco para eu entender que, embora a palavra “guerra” esteja no título e a trama gire em torno do conceito de “conflito armado”, estritamente falando, este não é um filme de guerra. Este é um filme sobre jornalismo e seus efeitos duradouros na sociedade.

Nós sabemos que o jornalismo é definido como um tipo de discurso transparente. Sua função é fazer a linguagem desaparecer e deixar os “fatos falarem por si mesmos” – por assim dizer. Nesse sentido, o jornalismo é o oposto linguístico da literatura. Se a literatura tem como objetivo mostrar que a linguagem existe; que letras e sons têm ritmo e rima; que as frases são musicais ou harmoniosas, irregulares ou dissonantes; então o jornalismo está lá para nos lembrar que as palavras não existem. Em outros termos, está lá para nos provar que a realidade tem significado em si mesma – não como você fala sobre a realidade. – E é por isso que as pessoas têm tanta dificuldade em diferenciar notícias – ou versões de eventos – dos próprios eventos. Essa confusão está embutida na própria ideia de jornalismo.

Bem, e o jornalismo em “Guerra Civil”? Infelizmente, é mostrado como perpetuando esse mito. Lee Smith (Kirsten Dunst), Joel (Wagner Moura), Jessie Cullen (Cailee Spaeny) e Sammy (Stephen McKinley Henderson) são todos jornalistas e fotojornalistas que simplesmente “mostram o que está acontecendo”. O filme não tenta revelar como toda estória – seja ela jornalística, seja literária – distorce fatos de alguma forma. Ele não explora os motivos por trás de tanta polarização midiática nos últimos anos – a incapacidade de distinguir texto de fato. E, tristemente, também não destaca como a pior forma de jornalismo é aquela que inibe o próprio jornalismo de existir: ou seja, o tipo de reportagem que usa sua liberdade de expressão para coagir ou silenciar outros.

Todos são livres para escrever um livro; criar um poema; falar sobre seu dia; descrever o que aconteceu em seu hospital local ou prefeitura; criticar o governo ou os funcionários públicos; etc. No entanto, onde acaba a liberdade de expressão? Em suma, termina quando interfere na liberdade de expressão dos outros. – Vamos usar um exemplo para esclarecer essa afirmação.

Falar sobre sua festa de aniversário, que aconteceu na semana passada, torna menos provável que outras pessoas possam falar? Provavelmente não. Portanto, você tem liberdade para falar sobre sua festa de aniversário. Agora, difamar uma minoria prejudica a liberdade de expressão de alguém? Pois bem, provavelmente sim. Se você for racista, por exemplo, suas afirmações contribuirão para a desigualdade concreta, o que torna a pessoa pertencente a essa raça menos propensa a ser ouvida. Por exemplo, uma sociedade racista emprega e paga menos os negros, o que os torna sistematicamente economicamente impotentes – o que, por sua vez, os torna politicamente inativos e silenciosos. (Diga-me um país que ouça as queixas de sua população pobre?) Portanto, comentários racistas, a longo prazo, tendem a diminuir a eficácia das declarações de uma pessoa negra. – No geral, a liberdade de fazer comentários racistas prejudica e diminui a liberdade de uma raça específica. Portanto, isso não deve ser considerado como exercício da liberdade de expressão.

“Mas, Michael!, não estamos nos tornando autoritários ao tirar a liberdade de alguém de expressar sua opinião – mesmo que essa opinião seja racista?” Ok, vamos revisar a lógica mais uma vez.

Você é livre para fazer ou dizer o que quiser, a menos que interfira ou prejudique a liberdade de outra pessoa fazer ou dizer o que quiser. E se eles fizerem ou disserem algo que primeiramente prejudique a liberdade de outra pessoa fazer ou dizer o que quiser, então você pode secundariamente tirar aquela liberdade específica. (Esta é uma definição republicana [Maquiavel] e liberal [Isaiah Berlin] de liberdade.) Ou seja, você pode ouvir música alta no seu fone de ouvido à noite, visto que isso não inibe a liberdade de fala ou ação de ninguém. Agora, colocar um rock no voluma máximo às 2 da manhã no seu apartamento impede outras pessoas de dormirem – algo que permite que essas outras pessoas venham a interferir na sua liberdade e forçar você a desligar o som. Simples assim.

Então, ser vocalmente racista é permitido? Não, isso gradualmente reduzirá o potencial dessa raça para falar e ser ouvida. É permitido ser antinazista? Sim, já que o nazismo é definido literalmente pelo silenciamento de judeus, homossexuais; entre outros. É permitido ser nazista? Não; você está usando sua liberdade de expressão para intencionalmente apagar a liberdade de ação e expressão de outra pessoa.

Enfim, e quanto ao jornalismo em “Guerra Civil”? Uma coisa que ele realmente revela é que a contradição inerente à liberdade de expressão que silencia espontaneamente os outros (não como reação a discursos ou práticas coercitivas) leva à autodestruição.

No final, negar a liberdade de alguém nega toda liberdade. – E isso é o que chamamos de “guerra”.

Michael Gartrell

Formado em filosofia, hoje levo adiante um doutorado sobre a história da percepção. Escritor e acadêmico voltado para pintura e cinema.

A arte, muitas vezes, é inconsciente da realidade que ela manifesta. Estamos aqui para entender o que ela tornou visível mas se recusa a enxergar.

  michael.gartrell@hotmail.com