Geralmente falhas e erros por parte dos personagens ocorrem para gerar tensão; porém, em “Lightyear”, parece que os defeitos e equívocos são um tema, uma ideia acabada, compacta – digna de ser explorada em si mesma.

O filme baseia-se, no fim das contas, sobre um deslize ou lapso operacional: Buzz Lightyear, o herói, é incapaz de impulsionar sua nave espacial e, assim, retornar para seu esquadrão. A estória inteira, na verdade, fundamenta-se em sua vontade de voltar a ser um ‘patrulheiro interestelar’ com sua colega de trabalho e melhor amiga, a Comandante Alisha Hawthorne.

Entretanto, novamente devido a uma série de confusões, descuidos e provas de fraqueza (tanto técnicas quanto intelectuais), o protagonista começa a compreender que, talvez, consertar seu astro veículo e regressar à sua vida antiga não seja mais praticável ou sequer legítimo.

Essa animação é sobre o desejo de todos a voltar para ‘alguma casa’. Seja esse ‘lar’ uma fase passada, seja ele um namoro ou simples estado de consciência, qualquer pessoa quer retroceder a um ponto em sua existência onde os problemas não eram tão graves, onde as contradições não brotavam tão insolúveis.

Eu e você, leitor, ainda sonhamos com aquela época perdida, com esse mundo onde agíamos, ‘éramos de verdade’. (E se você não sente essa saudade é porque está com sorte: você está passando por essa idade de ouro agora.) De toda forma, a longa-metragem em questão se dedica a expor a preocupação de alguém que não possui mais a ‘sua vida’. Contudo – e essa é a virada da obra –, o viajante sideral descobre que enquanto estava tentando resgatar uma situação, uma condição já inexistente, suas experiências ainda não haviam se concluído, encerrado.

O personagem principal, em um momento da aventura, assimila que voltar no tempo não é uma saída viável, isto é, ela não pode ser sua redenção ou salvação ex machina. Nesse momento, Buzz Lightyear percebe que aquilo que buscava desde o início é pessoal, individual demais – egoísta.

Os filmes da sequência do “Toy Story”, de algum modo ou de outro, sempre trataram dos sofrimentos conferidos pelo tempo: o tempo da infância, do crescimento e desapego, do abandono; dos períodos dolorosos de transição, mudança, perda de identidade, da tristeza do esquecimento etc.

Por mais que “Lightyear” não esteja oficialmente incluída nessa linha narrativa de animações, ela retém a família de conceitos abordada nesses desenhos digitais.

Sua exposição não é tão original ou bem-elaborada como a dos anteriores, mas, quem sabe, seja esse precisamente o seu ‘erro’. Fica aos olhos do espectador, então, julgar se essa nova experiência vale a pena.

Michael Gartrell

Formado em filosofia, hoje levo adiante um doutorado sobre a história da percepção. Escritor e acadêmico voltado para pintura e cinema.

A arte, muitas vezes, é inconsciente da realidade que ela manifesta. Estamos aqui para entender o que ela tornou visível mas se recusa a enxergar.

  michael.gartrell@hotmail.com