Uma manhã dessas, eu estava na cozinha de um amigo enquanto ele preparava um café e ao passo que a gente pairava em diversos assuntos, ele largou a xícara, me fitou com os olhos e me perguntou: “todos nós somos substituíveis, né?”
Ele havia terminado há pouco tempo um relacionamento longo, e eu estava ali diante de um recém “ateu do amor”. Para quem tem uma porção de palavras para tudo, naquele momento eu não sei o porquê, mas desviei da pergunta como político desvia de debate. A minha resposta foi limitada a um “levantar de sobrancelhas”.
No fim, acho que esse é nosso grande medo, sempre. Sermos substituídos.
O nosso ego nos infantiliza no que diz respeito a essa pergunta. Atrelo ele a nossa criança interna, a qual me faz lembrar da voz da minha psicanalista em repeat como um disco riscado: “Fernanda, isso é aquela criança”.
O medo de ser trocado, esquecido. O medo de ir para o banco reserva. O medo de aparecer um amiguinho legal e mais interessante. O medo de ficar sem ninguém no recreio.
Um medo que, embora intrínseco do ser humano, eu diria que é tanto infantil quanto burro.
Ninguém é substituído. Ninguém é trocado. Se nos despíssemos do menino teimoso do ego, o medo cumprimentaria então a impossibilidade. A impossibilidade de substituir um sentimento.
Não fazer mais parte da escolha de alguém não invalida o vivido. O término de uma relação, assim como o luto, não mata o que já existiu antes. Não mata lembrança, não mata o toque. Não mata o beijo com gosto de café. Não mata o cangote com o cheiro de alguma erva que nem deve ter nome. Não mata a nudez das confissões. Não mata a intimidade de quem despiu o teu pensamento mais obscuro. Não mata o sexo de uma dimensão que os drávidas ainda não classificaram.
Dar ao novo o fardo da substituição é condenar o amor. O velho e o novo.
Assim como o clichê de que não se pode percorrer duas vezes o mesmo rio, as conexões não desaguam da mesma forma.
Cada pessoa, tem a singularidade de tocar uma parte sua inacessível as outras. Gosto de pensar que são como constelações internas. Cada relação, romântica ou não, cria o seu Cruzeiro do sul.
Mas, aproveito a comparação galática e estendo o pensamento de Antônio para responder, depois de um considerável tempo, a pergunta do meu amigo:
– Não!
[…] O universo do encontro é insubstituível,
e que sorte a nossa.
–
Referências:
“Um encontro é sempre um início de universo“, Antônio Ramos Rosa.
“Ninguém pode entrar duas vezes no mesmo rio, pois quando nele se entra novamente, não se encontra as mesmas águas, e o próprio ser já se modificou”, Heráclito de Éfeso.