É histórico e consta no mapa do arruamento da cidade de Sorocaba de 1840: a rua Leite Penteado, antes da década de 1960, era conhecida como Beco do Inferno. Está registrado, também, que a alcunha do local, no Centro, se deu por ser o endereço que recebia os dejetos dos carcereiros e estar próximo a um curral. A mistura dos odores acabou conferindo à rua, à época, essa nomenclatura. No entanto, e apesar das evidências históricas e do tempo passado, o nome histórico da rua ainda fere a convicção dos vereadores evangélicos, que optaram por vetar do calendário oficial do município, na quinta-feira, 11, a inclusão da Feira do Beco do Inferno (cujas primeiras edições foram no endereço), por não gostarem da referência a inferno do nome.
Na última sessão ordinária da Câmara de Sorocaba, a Comissão de Justiça da Casa, presidida pelo pastor Luis Santos (Republicanos) e tendo como membros os vereadores Cristiano Passos (Republicanos) e João Donizeti (PSDB), vetou o Projeto de Lei 166/2022 e Emenda 01, de autoria da vereadora Fernanda Garcia (Psol), que pede a inclusão no calendário oficial do município da Feira do Beco do Inferno. De acordo com a justificativa da comissão, o motivo do veto foi, apenas, a nomenclatura do evento, que faz referência ao nome antigo da rua onde a feira começou. “Em análise da propositura, verificamos que em que pese o pleno exercício dos direitos culturais, esta Comissão de Justiça, em divergência entende que o evento em questão ‘Feira do Beco do Inferno’, pela sua nomenclatura, contradiz o espírito normativo trazido pela Constituição Federal e pela Lei Orgânica (vide art. 40, VIII), que em seus preâmbulos trazem a proteção de Deus que norteiam todo o ordenamento jurídico”, defende o texto do documento, afirmando que, pelo motivo exposto, a comissão entende a inclusão da feira cultural como “ilegal”.
O parecer da comissão contraria a orientação do departamento Jurídico da Câmara dos Vereadores de Sorocaba, que emitiu parecer de constitucionalidade ao projeto. SEM CARÁTER NORMATIVO
Autora do projeto, a vereadora Fernanda Garcia classificou a posição dos membros da Comissão da Justiça como uma “vergonha”, e também uma forma de perseguição a uma feira que gera trabalho, renda e cultura na cidade, de forma independente. “Essa Comissão deveria zelar pela constitucionalidade dos projetos, fazendo parecer de natureza técnica, embasados no regramento jurídico. Entretanto, eles usam a ‘proteção de Deus’ do preâmbulo da Constituição como fundamentação para um parecer jurídico. O próprio Supremo Tribunal de Federal (STF) já se manifestou no sentido de que a disposição do preâmbulo não tem caráter normativo. É inaceitável!”, criticou a vereadora, adiantando que o mandato solicitou a reconsideração deste parecer.
Regaste Histórico
Flávia Aguilera, uma das organizadoras do evento, também entende o parecer da comissão como uma perseguição motivada pelo nome, que nada tem a ver com questão religiosa, mas sim um resgate histórico da cidade.
Como explica, desde quando começaram a pensar na necessidade da realização de uma feira cultural em um local público e aberto, lembrou do tal Beco do Inferno, local que ficou conhecendo por nome, quando participava de um passeio histórico. Quando foram até o endereço para conhecer o local, conta que percebeu que o espaço era ideal para o projeto, considerando que era no Centro e sem trânsito. “Fizemos dez edições da feira lá e o nome pegou”, conta ela, Depois dessas edições, o espaço acabou ficando pequeno para atender o público e expositores, e então decidiram mudar a feira para a praça Frei Baraúna.
Ainda de acordo com Flávia, muita gente acha que o nome antigo da rua – Beco do Inferno – tem a ver com a existência de um prostíbulo nas imediações. No entanto, considerando as pesquisas da historiadora Cássia Maria Baddini, a nomenclatura deu-se por conta dessa característica de receber dejetos de encarcerados e dos animais utilizados pela polícia, que habitavam um curral no local.
A rua do Beco do Inferno não se trata de um caso isolado de nomenclatura condizente com características do local em Sorocaba. Há exemplos nessa mesma pesquisa de 1840 de logradouros como a atual Praça 9 de Julho, que antes se chamava Largo do Pito Aceso, por conta da luz da brasa dos cigarros que as pessoas fumavam, à noite, no local.
Com informações de Portal Porque