Cinco anos depois de seu trabalho mais recente, chamado Sem Você Não A, Tom Zé está lançando um novo disco. Ele se chama Língua Brasileira, sai pelo Selo Sesc e traz canções de autoria do artista baiano da cidade de Irará
Cinco anos depois de seu trabalho mais recente, chamado Sem Você Não A, com letras de Elifas Andreato, Tom Zé está lançando um novo disco. Ele se chama Língua Brasileira, sai pelo Selo Sesc e traz canções de autoria do artista baiano da cidade de Irará. As músicas foram feitas originalmente para um espetáculo teatral de mesmo nome, dirigido por Felipe Hirsch, que estreou em janeiro no Sesc Consolação. Hirsch assina também a direção artística do álbum, que tem ainda como produtores Daniel Ganjaman e Daniel Maia. Os shows de lançamento serão nos dias 9 e 10 de julho, no Sesc Vila Mariana. O disco já está nas plataformas digitais desde sexta-feira, 24, e saiu também no formato físico, em CD.
Tom Zé conta, já em um texto de divulgação do álbum, a “importância de outras culturas para a formação e a construção da língua portuguesa em terras brasileiras”: “Foram dois anos de trabalho, de domingo a domingo, com Daniel Maia sempre a meu lado, fazendo um esboço imediato de arranjo, que nos permitia calcular o futuro alcance da música”. E segue: “E assim chegamos, com leves arranhões, a este disco com gravações inéditas, que passamos aos vossos ouvidos. Nós nos orgulhamos da língua cantabile e melodiosa que falamos no Brasil. As averiguações mostram que herdamos isso de uma antiga língua africana e negra: o quimbundo. Falamos, com pouso nas vogais, uma língua quase cantada, em vez daquelas consoantes acentuadas preferidas em Portugal”.
O repertório reflete a pesquisa do compositor. Hy-Brasil Terra Sem Mal, a música que abre o álbum, é, como explica o texto de divulgação, “inspirada na crença tupi-guarani da Terra Sem Mal e na mitológica ilha que figura na cultura celta, denominada Hy-Brasil: uma porção de terra ao nome do Oceano Atlântico que passaria períodos cíclicos de sete anos oculta sob grossa neblina, revelando-se aos olhos dos navegantes por um único dia, porém se mantendo sempre inalcançável às embarcações”. A seguinte canção, Pompeia – Piche no Muro Nu, surgiu de seu “espanto com a descoberta dos registros de pichações em latim vulgar nas paredes da cidade de Pompeia, na Itália”.
Ao Estadão, Tom Zé falou o seguinte em relação às informações que o álbum traz sobre as origens da língua brasileira à margem do aprendizado oficial: “Felipe Hirsch achava que, trabalhando isso no teatro, poderia trazer todos esses segredos preciosos. Uma coisa curiosa é que, se agora todo o jornalismo e toda a propaganda lutam muito contra o racismo, é interessante a pessoa que fala português ser racista, porque foi a língua chamada quimbundo, uma língua de Uganda e uma das africanas que mais influenciaram a língua brasileira. Foram os negros quem mais influenciaram a formação dessa língua cantante”
Resistir
O álbum traz ainda a canção Língua Brasileira, com participação especial de Maria Beraldo, lançada originalmente em 2003, no disco Imprensa Cantada, a única não inédita do projeto. As outras são Unimultiplicidade, Gênesis Guarani, Metro Guide, Índio Desliga Jaraguá, A Língua Prova Que, San Pablo, San Pavlov, San Paulandia, Clarice e Os Clarins da Coragem.
Há um certo ato de resistência na busca por se saber da própria língua. Tom Zé diz assim ao repórter: “A cultura de um povo eram suas lendas. Elas uniam as tribos e as mantinham unidas durante séculos e séculos. Muito bem. Esse povo abandonou suas lendas, deixou de cantar para suas musas, e tal e coisa, e foi decaindo culturalmente. Mas decaíram tanto que chegaram ao barbarismo, e acabaram lutando uns contra os outros e se destruindo”. Parece haver alguma semelhança com o Brasil. E há.
A Palavra
“Há uma certa semelhança com isso porque se acaba a cultura, se acaba o jornalismo e se desfaz e desrespeita a canção em um país que tem uma canção muito respeitada no exterior e tudo… Eu não faço propaganda de presidente da República. Quando eu quero falar nas coisas do Brasil, eu tento falar dessa maneira.”
Indagado sobre a influência de sua recente pesquisa nas palavras de suas composições, um elemento que torna sua obra tão abrangente, Tom vai ao passado: “O que me tirou de Irará (interior da Bahia) foi a música. Quando a televisão foi inaugurada em 1950, eu, Roberto Santana, meu primo, que foi produtor de Elis Regina, isso e aquilo outro, ele fazia e acontecia, mandou me dizer que eu ia cantar em um programa (chamado) Escada para o Sucesso. Era um programa de calouros, no domingo à noite, que iria ao ar daqui a duas semanas… Falei, bom… eu, em Irará, para poder ser ouvido, tinha mudado o jeito de fazer música. Não fazia música para a namorada, passei a fazer música sobre os episódios de Irará”. E segue para finalizar dizendo que a música, tanto quanto a palavra, sempre esteve presente em sua vida.
Investigação sobre origem de palavras deu mote das canções
A música Língua Brasileira, criada por Tom Zé e lançada em 2003, no álbum Imprensa Cantada, dá o prumo do projeto. Ela diz o seguinte: “Quando me sorris / Visigoda e celta / Dama culta e bela / Língua de Aviz / Fado de punhais / Inês e desventuras / Lá onde costuras / Multidão de ais / Mel e amargura / Fatias de medo / Vinho muito azedo / Tudo com fartura / Cravos da paixão / Com dores me serves / Com riso me pedes / Vida e coração / Vida e coração / Babel das línguas em pleno cio / Seduz a África, cede ao gentio / Substantivos, verbos, alfaias de ouro”.
As novas expõem também uma investigação feita pelo cantor e compositor baiano. Clarins da Coragem diz: “Os clarins da coragem / Dos nossos heróis / Quiseram criar / Um Brasil que até hoje não há / Liberdade ainda que tarde / Porém essa tarde já tarda natais / Natais, demais / Cada morro, favela no alto / É um cadafalso / Que elege carrascos / Letais, os tais / Ô ô ô ô / Minas Gerais, aí dor, aí dor / Ainda ouço, aí dor, aí dor / No calabouço, aí dor, aí dor / Dores demais, punhais e mais”.
Fonte: Tem Mais