Desta vez os passos eram lentos. Sem pressa. Lara chegou ao consultório como se nunca houvesse estado lá. A porta que entrou inúmeras vezes, parecia desconhecida. Assim como se via, desconhecida de si mesma. Testa franzida. Seus olhos olhavam para o nada. Eu a chamo com calma. Lara levanta a cabeça e me olha atônita. Caminha em minha direção. Antes de entrar faz uma pequena pausa à porta. Respira profundamente. Em silêncio caminha até o divã. Em algumas sessões eu a convidara a estar lá. Lara sempre sorria com o canto esquerdo da boca quando recebia este convite. Resistia. Fechava os olhos e ria…
Antes que eu pudesse dizer algo, se dirige lentamente ao lugar novo. Um velho lugar que sempre estivera ali a esperando. Aquele temido e desdenhado com o canto esquerdo da boca. Seu olhar estava fixo, paralisado. Seu corpo se acomoda com delicadeza e precisão no móvel. Parece que haviam marcado este encontro. Fecha os olhos, expira como se algo tivesse sido destrancado e as lágrimas caem.
Foi olhando para a janela, para o horizonte, que as palavras vieram: “Eu acho que chegou a hora. Sabe aquele lugar que lhe falei outrora? O lugar inacessível, aquele nunca visitado? O desconhecido. Temia que este dia chegasse. Ainda penso que não irei aguentar.”
O silêncio paira.
Minha impressão era que o tempo tinha parado para ela. Assim como sua vida sempre fora. Parada.
“Essa partida repentina dele me partiu”. Riu singelamente enquanto fechou os olhos, desta vez mais demorado. “Estar sozinha dói. Estar longe dele me faz sentir solta. Perdida.”
Lara que sempre mirou no amor para resistir olhar para a solidão e fez dos outros amores seu chão. Escolheu se encontrar. E deu-se o encontro. Ali, naquele fim de tarde outonal.
Lara que sempre insistiu em se fazer uma só, quase um nó com todos os quais tinha se envolvido amorosamente, se via parte. À parte. Separada. Sozinha. Uma. Pela primeira vez.
“Hoje me sinto. Estranho, não é? Sinto meu corpo, sinto o ar entrando. Sinto que estou presente. Em mim. E agora? Para onde vou? Parece que com sua partida levou meu mapa. Meus passos, minha rota e destino”. Pausa. “É isso, o mapa era dele. Sempre foi. O qual aceitei como meu. Será que ainda tenho tempo?”
Lara se levanta repentinamente. Inspira com força e profundidade. Parecia um pássaro alçando seu primeiro voo. Ali na minha frente. Caminha em direção a porta. Sem olhar para trás.
Desta vez, os passos foram precisos. Foi preciso. Um desconhecimento de si. Um não ser. Um querer ser. Um não saber.
Aos poucos Lara foi se compondo. Traçando caminhos. Outros destinos. Lara se lembrou sobre o horizonte, aquele visto da janela e que ampliá-lo seria possível. Doses de si. Solitária. Livre. Sozinha. Inteira. Inacabada.
Pela primeira vez.
Notas sobre o Conto: Qualquer semelhança pode não ser uma mera coincidência! Afinal, “Laras” estão espalhadas por aí.
Dica de Leitura
O livro “A gente mira no amor e acerta na solidão” de Ana Suy fala sobre o amor e solidão aos olhos da Psicanálise, sendo propício para dias atuais. Nesta leitura encontraremos que o amor contém a solidão em seu interior, pois, no coração do amor está sempre a solidão, e por isso, quem não suporta a solidão também não suporta o amor!
A leitura faz-se necessária para a sobrevivência em meio ao caos contemporâneo.
Ou amamos cientes e conscientes de nós e nossos nós ou, adoecemos!