Ainda não sei, mas vou saber

3 de abril de 2023

Quando o amor fica cinza

Nem sempre é possível acordar e ouvir os pássaros cantando.
Às vezes o dia amanhece nublado lá fora e cinzento aqui dentro.
Ontem não foi uma madrugada muito fácil.
Os vizinhos estavam discutindo. O tom de voz estava alterado, normalmente não é assim.
Não que eu quisesse prestar atenção, mas a proximidade das nossas janelas e a falta de isolamento nos apartamentos torna quase impossível não ouvir.
Ele estava indo embora. Dizia que não era a intenção magoá-la, mas eles já não tinham a mesma sintonia de antes.
Ela chorava.
Pedia perdão, perguntava o que poderia fazer para que as coisas fossem diferentes, que mudaria por ele. Nada o fez mudar de ideia.
Não estavam brigando, sabe.
Pareciam despedaçados.
Depois de duas horas tentando a conciliação, o silêncio veio.
Fiquei pensando no que seria pior para eles: as vozes resgatando algo que um dia foi chamado de amor, ou o vazio de dois estranhos que compartilharam tantas histórias íntimas.
Não consegui dormir direito, pensando em quantas histórias daquelas estavam se repetindo naquele mesmo instante.
Quantas histórias dessas eu mesma vivi.
Acordei com uma ressaca emocional terrível, querendo consumir um amor clichê bem barato na Netflix.
A realidade é outra.
Ônibus cheio e atrasado, a mochila pesada nas costas.
“Com licença”, eu falo, pedindo espaço para descer no próximo ponto, e me deparo com um casal idoso descendo também.
Ela sai, arruma o cabelo dele que estava levemente bagunçado e o dia cinzento ganha uma leve cor, assim como meu coração.

Foto de Alex Ronsdorf na Unsplash

Aline Amorim

Jornalista, Pós-graduada em Acessibilidade, Diversidade e Inclusão, mãe de meninas e pets.