Pintura de Georgia O’Keeffe
9h30.
Quarta de uma primavera atípica.
A Cafeteria (uma das minhas preferidas), tinha acabado de abrir suas portas, me convidei à um momento intrínseco, “cafezar” tem disto, beber histórias, pensar alguns pensamentos e ler algumas páginas do seu próprio livro.
Escolho o lugar de quase sempre. Aonde a luz do sol marca parte da mesa e aquece o corpo através da janela…
Aos poucos, os amantes do afeto líquido adentram em doses lentas entre meus goles de satisfação com as notas suaves de laranja, lavanda e limão. As nuances reverberam.
Há doze horas e meia de completar minha volta ao sol pela quadragésima sexta vez.
Há quatro tendo uma conversa minuciosa com o espelho…
Meus pensamentos envoltos no tempo têm me convidado, muitas vezes, convocado a pensar e repensar minha existência. O como este tempo tem me assistido e eu insistindo a caminhar e a atuar sobre ele.
Tenho pensado e passado sobre o tempo. Ele, passado sobre mim…
O tempo anda riscando meu corpo.
Envelhecer nos convida a olhar para a artesanalidade da nossa existência.
Donald Winnicott, um inglês, psicanalista “ancorado no chão” e desenvolvimentista, tece um constructo clínico que nos permite compreender a teoria do amadurecimento emocional baseado em conceitos da existência de uma natureza humana a partir daquilo que acontece e, tudo acontece numa relação do ser humano dentro desta amostra temporal. Com marcos temporais, marcos espaciais, um ser que “está aí”, um ser relacional.
Tudo que vivemos tem algo a nos contar ao mesmo tempo em que nossas histórias são contadoras de nós.
A percepção do tempo, passado, presente e futuro nos evidenciam que acontecemos dentro de um horizonte temporal, com início e fim.
Essa percepção da fluidez do tempo, tempo biológico e vivências no mundo, Heidgger, um filósofo e fenomenólogo existencial, chamou de temporalidade.
Assim, nossa existência e permanência, nossa temporalidade neste mundo percorre o tempo onde passado, presente e futuro se entrelaçam. Somos acontecimentos, estamos acontecendo e exalamos nossa temporalidade.
E como tem sido interessante olhar ao redor e observar as temporalidades, inconscientes atemporais, sendo marcadas e vivenciados pelo tempo chronos…
Principalmente a minha.
EnvelheSer tem disto.
Eu tento parar de lutar contra o tempo, me esforço entre tropeços para exercer instantes, aos poucos, ganho presença.
Aniversariar é relembrar, pensar e repensar passos. Rever alguns laços e abraços.
Fechar os olhos e reviver momentos, nomear lágrimas, olhar no espelho e encarar e aprender a celebrar as marcas, mapas de caminhos percorridos, de escolhas, uma alma tatuada pelos acontecimentos. Mas,
O primeiro senso é a fuga. Bom, na verdade é o medo. Daí então, a fuga. Evoca-se na sombra uma inquietude, uma alteridade disfarçada, inquilina de todos os nossos riscos
O parto ocorre.
Parto-me.
Aborto certas convicções, abordo demônios e manias.
Exponho cicatrizes.
Harmonizo o tom.
Movimento. Som.
Revejo toda terra que devo doar. Todo voto que devo parir. Não dever ao devir.
Nunca deixar de ouvir…
Com outros olhos!
Poesia cantada e composta por Fernando Anitelli, Amadurecência e Pintura de Georgia O´Keeffle, uma das artistas feministas mais importantes do ´seculo XX, conhecida por suas pinturas de formas femininas, incluindo obras que celebram e fazem alusão á Vulva.
