Esses dias, decidi voltar caminhando da academia. Era noite e estava chovendo, mas os pensamentos pareciam correr pela minha cabeça e me entreguei ao instinto de movimentar o resto do meu corpo.
Estava calor e, embora ainda fosse primavera, a chuva cheirava verão. Daquelas gotas que caem na pele e você diz “obrigada”, sabe? Acho que chuva de verão sempre tem cheiro. Um cheiro de infância com litoral, de pele queimada que se arrepia com beijinhos gelados. De sorvete de uva após banho de sal. E eu estava ali, andando sobre o cheiro da chuva primavera-verão.
Sem perceber, meus pensamentos que antes batiam desatinados, passaram a fluir e foram beijados por respostas que estavam escondidas de mim há um tempo. Percebi então que o corpo é um tipo de cavalo arredio que precisa sempre movimentar-se em busca do que endorfina o peito.
Pensei nos meus passos. Nas gotas que estavam caindo no meu cabelo e escorriam “molecas” pelo meu rosto. Pensei em todas as decisões que me levaram para alguma rua. Pensei no meu coração hiperativo que gosta do tambor afro. Pensei que necessito mover-me, até mesmo para escrever. Pensei se seria possível andar com um bloquinho e fazer uma poesia enquanto caminho. Pensei que a palavra também se move. Corre. Te beija. Te laça e te faz convites indecentes.
Pensei que embora muitas das minhas crenças tenham se desfeito com tempo. Uma seguiu como tatuagem na pele, como mantra escrito no espelho:
– “a fluidez de tudo que existe, bate, vibra”.
Como um bicho teimoso, por vezes achamos que somos capazes de contermos o domínio do que escoa, do que nos molha por dentro.
Mas, como a água que faz correnteza no nosso sangue, o movimento nos ensina que é aorta.
Rapaz, não dá para renunciar a natureza. Impossível não se banhar com o que está sempre escorrendo.
A gente tenta ser represa, mas SER humano é SER mar aberto.