Ao leitor: um cumprimento
Consiste tradição o novo colunista se apresentar ao público frequente. Já que sou respeitoso a costumes antigos, aí vai minha introdução ao atual leitorado. (Aviso que nunca escrevi sob essa forma, a do ‘texto opinativo’, então juntos testemunharemos minha adaptação progressiva ou total desencaixe ao gênero.)
Bem, flexionemos nossos dedos e memória. Meu nome é Michael Gartrell. Formado em filosofia, hoje levo adiante um doutorado sobre a história da percepção. Estudo particularmente como o conhecimento acerca dos órgãos sensoriais, ao longo dos séculos, influenciou ou alterou o modo como experienciamos o mundo. Para simplificar, eu investigo se o surgimento da oftalmologia e anatomia do olho, por exemplo, mudaram o jeito que a gente vê a realidade. Chamo tal tese de coisificação ou espessamento dos sentidos.
Além de pesquisar teorias da consciência de objetos – desde copos e mesas até obras de arte –, eu redijo livros. Tenho quatro publicados até agora. Sinceramente os primeiros três são problemáticos, obscuros, difíceis de ler porque experimentais e ingênuos demais. Porém esse último me saiu leve, claro, macio – por mais que tratasse de temas ásperos, esmagantes e grotescos.
Enfim, sou um escritor e acadêmico voltado para pintura e cinema. Aqui finalmente cabe falar da coluna em si. Me propuseram preencher esse espaço virtual com uma peça quinzenal relacionada a filmes. Logo, a cada duas semanas vocês receberão uma análise de um curta ou longa-metragem, recente ou velho – dependerá do meu interesse no momento.
Mas o que exatamente direi ou opinarei sobre? Verdadeiramente não quero lhes fornecer mais uma crítica de filme baseado no meu paladar específico, ou pior, uma trivial resenha sobre o último lançamento falando o que esperar ou aturar, sem diagnóstico, conceitualização nenhuma. Assim, como proceder? Tenho uma sugestão. Desejo abordar os filmes a partir da perspectiva de alguém que os pensa como caricaturas da sociedade. Mas, novamente, por quê? Creio que se eu meditar sobre a maneira que um Batman ou Licorice Pizza reflete certos tipos ou figuras da comunidade brasileira ou internacional talvez possamos raspar a primeira camada de glacê estético do filme e se aproximar de um recheio mais indefinido, nebuloso, porém, muito mais fluido e abundante mentalmente. A ideia é que qualquer produção artística representa, em certo grau, a totalidade de eventos a sua volta. Como um caco de vidro no asfalto, aquela criação espelha um pedaço do céu ideológico do artista e de seu ambiente existencial. – Nosso trabalho será justamente recolher esses estilhaços e reconstruir a janela através da qual o autor da obra contemplou o mundo, mostrando as crenças e juízos que colam esses fragmentos. Por isso que a figura ou tipo social exposto no filme é relevante: acima de tudo, é a imagem dele que está rachada, quebrada, e que precisa de restauração.
A arte, muitas vezes, é inconsciente da realidade que ela manifesta. Estamos aqui para entender o que ela tornou visível mas se recusa a enxergar.