AFETadOS

6 de dezembro de 2022

Descansar

@tutehumor

Despertador. Banho. Café. Jornal. Celular. Chaves. Carro. Música. Semáforo. Trânsito. Freada! Trabalho. Café. Mais trabalho. Fechamentos. Reuniões. Almoço. Trabalho. Papéis. E-mails. Café. Pautas. Palestras. Metas. Mais metas. Produzir. Produzir. Produzir. Café. Carro. Academia. Carro. Trânsito. Casa. Caos.

Descanso.
Dezembramos.
Cá estamos.
Contando os dias para enfim, pararmos.
Mas, pararmos para quê?
Creio que a maioria de nós, responderia:

– Para poder descansar.
Será que é isso mesmo?

Eu devo respirar e prender meu ar, segurar minha respiração e segundar até a tão esperada sexta, seu momento happy hour e o famoso #sextou?
Mas, o que me garante que quando eu parar para descansar estarei presente em cada momento presente?
Nós seres humanos ainda temos esta capacidade?

Diante de tantas cobranças nesta sociedade, nós, sujeitos do desempenho, somos estimulados o tempo todo. Basta abrirmos os olhos.

Acordamos cantarolando o mantra: “projete”, “motive-se”, “tenha iniciativa”, “seja eficiente”, “tenha flexibilidade”, entre outros que já algum tempo pairam por aí.
Ao contrário do inconsciente freudiano vinculado necessariamente à repressão e à negatividade, o sujeito neoliberal do desempenho é dominado hoje pelo excesso de positividade. Errar já está quase sendo banido do nosso dicionário, pelo menos o informal. A meta à perfeição tem sido tão atraente e estimulante. Chegamos ao ponto de não aceitarmos o choro como uma manifestação humana. Sofrimento então, quanto menos melhor!

Choro. Você ainda sabe o que é isso?

Hajam e ajam as pílulas em prateleiras farmacêuticas que são vistas ora como de fato devem ser, tratamentos levados a sério por profissionais idôneos, ora como um escape quase perfeito, aquele socorro bem presente na hora da angústia velada, não olhada e tão temida.

Momentos tristes, aqueles que fazem parte do que chamamos de Vida e ainda experimentamos como resquícios de nossa humanidade têm sido nomeados como depressão por nossa sabedoria e formação googleriana. Uma criança feliz, inquieta e esbaforida tem naturalmente sido chamada de hiperativa. Cada caso é um caso, óbvio. E “texto fora de um contexto tem sido pretexto”.

Nosso ideal de existência tem sido alto!
Faça o teste.
Após esta leitura, pare e se observe… (Será que dá tempo?)

*

Toda época, todo momento da história, todo pedacinho de tempo das nossas vidas tem sua beleza, é certo, mas ela é a mesma que tem nos enviado boletos.
E está quase impossível pagá-los.
A valor tem sido alto.
Estamos padecendo com o desaparecimento da alteridade e isto aponta para uma época empobrecida de negatividades.
Doenças neurais como a depressão, transtorno de déficit de atenção com síndrome de hiperatividade (TDAH), transtorno da personalidade limítrofe (TPL) ou a síndrome de Burnout (SB) denunciam tantas escolhas que fizemos e estamos fazendo como indivíduos e como sociedade.
Segundo, Alain Ehrenberg, sociólogo, a depressão é a expressão patológica do fracasso do ser humano pós-moderno em ser ele mesmo e estarmos inseridos numa sociedade do desempenho tem nos expostos a probabilidades cada vez maiores de nos depararmos com infartos psíquicos.

“A sociedade do desempenho, ao contrário, produz depressivos e fracassados. […] Esses estados psíquicos, de esgotamento, são característicos de um mundo que se tornou pobre em negatividade e que é dominado por um excesso de positividade” (A sociedade do cansaço, Byung-Chul Han)

Yes, we can!

Descobri ao longo do meus 45 anos que nem sempre posso. Que em vários momentos realmente não consigo. E preciso aprender a dormir com isso. Não é fácil viver e conviver com esta realidade.

A imperfeição.

Angélica Fontes

Psicanalista Winnicottiana, Educadora e Professora de Psicanálise e aprendiz de Psicologia.