Ainda não sei, mas vou saber

9 de novembro de 2023

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Quando você partiu, o primeiro lugar que deixou foi meu coração.
Não foi a cama em que nós adormecemos depois de conversar sobre como foi o dia.
Não foi a cadeira que fica do lado direito da mesa, seu canto favorito.
Não foi o sofá que compramos há menos de três meses e você amava ficar lá, apenas aproveitando a sensação de algo novo.

Quando você partiu, nenhuma palavra que disse por anos fazia sentido.
Não havia futuro no “eu te amo” que ouvi domingo à noite.
Não havia planos para o réveillon, quando trocávamos promessas de um futuro bom.
Não havia mais a doçura da sua voz me chamando de “boba” sempre que eu contava uma piada ruim.

Quando você partiu, nenhuma memória se sustentou.
Não houve a viagem para Gramado naquele inverno de 2003?
Não houve troca de alianças enquanto olhávamos o pôr-do-sol no Arpoador?
Não aconteceu aquela noite onde seu ombro foi meu abrigo, logo após minha cachorra?

Quando você partiu, nossa vida toda coube dentro de uma caixa organizadora.
Nossas fotos saíram do porta-retrato, os bilhetes que você me deu também estavam lá.
O ingresso do show do Pedro Mariano, a pulseira do Rock in Rio, a flor que me deu no aniversário de 5 anos juntos. Tudo, cada pedaço do que fomos não era grande o suficiente para ocupar um espaço maior que uma simples caixa.

Porque quando você partiu, decidi que nada seria denso, tenso, pesado.
Seria importante o suficiente para fazer parte da minha história.
Leve o suficiente para não me sufocar.
Bom o suficiente para entender que foi melhor você partir.

Aline Amorim

Jornalista, Pós-graduada em Acessibilidade, Diversidade e Inclusão, mãe de meninas e pets.