AFETadOS

2 de agosto de 2023

Marcadas

Imagem: Pinterest

Atônita.  

Assim, me vi ao sair após três horas de “Oppenheimer”. Pensamentos fluíram num misto de indignação e encantamento. Creio que o abalo serviu como uma preparação para o próximo encontro. Não obstante, aos passos que se davam, meu entorno foi se tornando “rosaficado”… 

Um verdadeiro choque. Mas, desta vez não eram explosões e seus brilhos que me provocaram um certo atordoamento, o choque era rosa. Rosa-choque. A respiração que outrora se via intensa, agora; profunda. 

Foi inevitável não pensar que eu e a boneca precisaríamos nos encontrar mais uma vez. Não me recordo quando foi o último encontro real. Não sabia o que viria. Assim, conforme os cinco dias corriam e se inscreviam, memórias vinham. Pensava o que dos encontros brincados com ela, tinham ficado em mim. 

A primeira, a boneca com sua metade da cabeça destruída por minha cachorra numa mera distração. Episódio significativo. Decepção. Assim, me recordo da minha primeira Barbie.  A segunda, a casa que nunca tive, mas, tinha a oportunidade de esporadicamente ter acesso na casa de uma prima. Levava minha Barbie destruída para dar seus passos numa casa emprestada. 

Gostaria que Beauvair estivesse ali ao meu lado. Na última fileira, numa sexta-feira, na última sessão. 

Greta Gerwig teve uma bela sacada, olhar belo, este construído numa tentativa eficaz, aliviadora, um certo acerto de contas e termos as almas um pouco lavadas. Representadas. Após tantas brincadeiras terem sido influenciadas sob a leve, sucinta e tendenciosa direção do patriarcado, ali, colaborando com meu sentir e fazer.  Assim, senti e fiz, o patriarcado me pegou de jeito. Então, tenho dado meus jeitos. Ajeito daqui, ajeito dali. Haja e ajam as sessões de Terapia. Haja e ajam as leituras que rasgam o peito e limpam o patriarcado de mim inscritos. 

Algumas de nós riscaram suas bonecas no tempo propício. No propício do tempo brincaram. E pararam quando as bonecas não as brincavam mais. A ideia da finitude fica. A qual aponta para a vida. Palavra sentida pela Barbie estereotipada. A Barbie protagonista. A Barbie inscrita no coletivo. A qual trago comigo. Que assim, continuemos a “quebrar e riscar bonecas” em fúrias individuais e coletivas.  

Assim, marcadas

Atos de todos os dias. 

Angélica Fontes

Psicanalista Winnicottiana, Educadora e Professora de Psicanálise e aprendiz de Psicologia.