Talvez esse seja um dos primeiros filmes de ficção científica explicitamente feminista que vejo. Claramente, o gênero do sci-fi já forneceu diversas personagens mulheres fortes (desde Sigourney Weaver na sequência “Alien” até Alicia Vikander em “Ex-Machina” [2014]); no entanto, creio que essa seja uma das primeiras obras que assisto que, além de depender altamente de suas intérpretes, possui uma mensagem geral feminista. “O que”, pergunta essa peça, “você faria se descobrisse que sua vida é totalmente controlada por um homem? Existe felicidade em um mundo criado para te manter dócil e ignorante? Como encontrar sentido em uma existência inautêntica, vazia, opressiva?”
Perceba que todas as questões formuladas por esse longa-metragem só podem ser verdadeiramente respondidas por mulheres. Eu, como homem, não tenho o direito de articular soluções para os problemas lançados nesse filme. Porém, esse meu posicionamento não irrompe de uma moralidade anterior e independente dessa produção: ela é, de fato, imposta e exigida pela experiência cinemática proposta pela obra em si. A cidade na qual a protagonista Alice (Florence Pugh) mora é uma alegoria óbvia para a sociedade moderna: um lugar construído, administrado e protegido por homens. ‘Proteção’, no fundo, é possivelmente o tema central dessa película. Entretanto, evidentemente, não em uma acepção literal, tradicional – masculina? –; mas, sim, numa conotação equívoca, incompreendida, conflituosa. Jack (Harry Styles) acha que está preservando e cuidando de sua esposa. Contudo, quanta violência, abuso, falsidade, egoísmo existem por trás dessas ‘atitudes tutelares’ patriarcais? Como alguém pode ser alegre numa comunidade, em uma vida que não foi escolhida, que não é dela?
A vila onde Alice reside é uma alegoria para a condição feminina desde os primórdios da humanidade. Ela vai, pelo menos, tentar escapar. E você, leitora? Vai aceitar habitar esse condomínio bonito, arrumado, criado para te prender? Quer realmente continuar existindo em um mundo projetado para te conservar em um estado de eterna ingenuidade autodestrutiva? O que fazer? Para onde fugir? Dá para correr? É melhor vazar ou lutar?
Mais uma vez, não sou eu quem está fazendo essas perguntas – é o filme. E, para enfatizar, também não sou eu quem tem que responder: como já disse, não tenho o mínimo direito de tentar salvar vocês.