Elos, Fatos & Afagos

13 de março de 2024

No País em que o feminicídio é costume, estuprador recebe doação para diminuição de pena, um “feliz 8 de Março”.

Eu poderia começar a coluna de hoje romantizando o dia. Quem sabe, falar do buquê de rosas vermelhas que está no centro da minha sala em um vaso de vidro que chega a fazer arte com o caule. Eu poderia dizer que centenas de anos beijaram nossa voz silenciada, que o corpo incendiado de 129 mulheres americanas foi ressignificado com a paridade de gênero. Mas, nesses dois minutos de linhas confortáveis, duas mulheres foram estupradas.

Vivo em um País que 25% da população é devota a um Ex Presidente que faz apologia à exploração sexual e que veta a distribuição gratuita de absorventes para pessoas em vulnerabilidade social, mas considera necessária a distribuição de 35 mil comprimidos de Viagra para Forças Armadas.

Vivo em um País onde o maior craque do futebol dos últimos anos fez uma doação de quase um milhão a um estuprador e a qual existiu raras manifestações do público masculino e nenhuma nota de repúdio.

Vivo em um País em que a mão de obra feminina percebe 22% a menos de remuneração para desempenhar a mesma função que a masculina. Nesse mesmo País, nesse mesmo contexto de mão de obra e, essa mesma mulher, realiza 85% do trabalho doméstico, (21 horas semanais de trabalho).

Vivo no País em que os corpos femininos são objetificados e a pressão social pelo corpo perfeito faz da gente o pódio da mutilação (Segundo País que mais realiza procedimento estéticos no mundo, sendo que 86,3% dos procedimentos são realizados por mulheres).

Vivo em um País em que uma das únicas hipóteses de aborto legalizado é aquela proveniente de estupro, mas a autoridade judicial impede o aborto de uma menina de 11 anos, vítima de estupro, e pergunta a menor “se ela consegue suportar mais um pouquinho”.

Vivo no País onde 11 milhões de mulheres são mães solo. O que é desgraçadamente cômico que entre esse mesmo 11 milhões, algumas delas já foram obrigadas pelo convênio médico a obter autorização expressa do marido para inserção de DIU (no seu PRÓPRIO ÚTERO). 

Vivo em um País no qual preciso me questionar, ao menos três vezes ao dia, qual personagem devo me vestir. Tenho que ser discreta perante a sociedade, inteligente, espera, só um pouco inteligente. Pelo menos, não inteligente o suficiente para receber uma promoção de cargo antes de um homem hetero, branco, cis e sem passar ilesa do comentário de que me deitei com alguém para conseguir a ascensão. Ademais, quase posso ser considerada uma mulher culta, mas cult não bebe cerveja em boteco e rebola a raba, né? Uso decote e eles dizem que me falta decoro.

É, eu até podia romantizar a data, 

mas é 8 de Março do País do futebol.

Feliz dia. 

Fernanda Padilha

Advogada, professora, especialista em Direito de Família e Sucessões e Doutoranda em Direito Civil pela Universidade de Buenos Aires, Argentina.

Escritora do Projeto Cultural Útero (Projeto aprovado pela Administração Pública Municipal e que tem como objetivo abordar pautas feministas de forma artística).

Amante da arte e defensora dos emocionados. Acredita no poder desmistificador das palavras e na força revolucionária do afeto.

  fernanda.padilha.ppndadvogados@gmail.com