6h. 10 graus. Rio de Janeiro. Setembro. Serra da Mantiqueira. Ainda inverno. De fato, iria começar. Se considerarmos começos, inícios, nascimentos, gênesis, posso afirmar que tudo começou quando ela me chamou. Quando eu desejei. Sim, chega um momento que ela nos chama. Chama e faz brotar uma leve chama por dentro. Precisa estar atento. Observar. Ouvir o silêncio…
– “Bora”
Primeiros passos.
Respiração profunda.
Era isso, seria necessário respirar e, d e v a g a r.
Foi inevitável não sentir o peso. Eram 11 kg a mais e, nas costas. Afinal, carregar peso não é nada fácil.
Eu sabia que a saga interna tinha acabado de começar, iniciar, algo estava nascendo. Algo em mim se despediria.
A partir daquele momento a beleza estaria nos detalhes. Tocaria dentro. Dos quais estivessem dispostos a sentir…
Cheiros, cores, brisa, vento, poeira, calor, frescor, tudo estaria lá. Metamorfoseado pelo tempo. Só. Sendo. Única. Inteira. Suficiente. Plena.
Impossível passar incólume pela sua presença.
Éramos 15. Trilhando. Sós e acompanhados.
O cansaço era inevitável.
Contemplar mais que necessário.
Chorar, era esperado.
Desistir, inaceitável.
Como é difícil carregar pesos. Aqueles eram meus. Naquele momento refiz a lista de todos os itens mentalmente. O que poderia ter sido deixado?
Adiante, o primeiro obstáculo. Pedras imensas. Muitas. E eu teria mais 25 km.
Naquele instante me lembrei da resposta dada pelo Filósofo ao Caminhante, na fábula de Esopo quando o mesmo lhe perguntou quanto tempo duraria a jornada.
– Caminha!
Dependeria da amplitude dos meus passos.
Dependeria do quanto eu estivesse preparada e disposta a transpor.
Dependeria também, dos Bastões de apoio. Assim como tê-los, saber fazer uso no momento oportuno. E do jeito certo. Esses, muitas vezes, essenciais quando nos dispomos a caminhar. Atravessar.
Aos poucos os passos e ritmos foram selecionando quem estaria por perto. Ficam juntos os quais têm um ritmo parecido ou os quais estão dispostos a aumentar ou diminuir seus ritmos, simplesmente para estarem ali, juntos. Doarem muito de si. Levarem um pouquinho de nós.
12h. Já estávamos perto da Cachoeira. Ela nos convidaria a descansar por poucos momentos nossos pés. Águas terapeuticamente gélidas e restauradoras. Necessárias para o que estava por vir.
13h. Quando penso que um passo, descobre o Mundo. Não paro o passo. Passo.
A Poeta Alice Ruiz se fez presente, como sempre.
Cargueiras novamente nas costas.
Passos. Largos. Curtos. Inspiração. Expiração. Calmaria, agitação..
– Olha lá! A Pedra do Sino!
Os 2.657 de altitude, ali na nossa frente…
– Hora do Ataque. Vamos?
Cargueiras ao chão. E sem titubear nos colocamos a percorrer. Subir. Subir, subir mais um pouco. Um pouco mais.
14h.
– Valerá a pena. Lá em cima, me dirá o que sente!
Silêncio.
Contemplação…
A sensação de plenitude, de ter conquistado, conseguido, superado, tomou conta do ambiente. Pensamento nas alturas e pés no chão.
A próximo desafio viria a seguir.
17h.
– Lanternas! Iremos entrar na Mata fechada. Ainda era possível ver algumas clareiras, que pouco a pouco foram se apagando.
As Clareiras, estas que me lembram o quanto deixamo-nos ver em todo nosso ser quando estamos descobertos. Redescobertas.
18h. Minas Gerais.
A soberana enfeitava o céu.
Espanto.
Que haverá com a lua que sempre que a gente a olha é com o súbito espanto da primeira vez?
Creio que nunca teremos a resposta, Quintana. Diz tanto sobre nós e nossos nós.
19h. Acampamento. Descanso. Trocas. Aconchego.
6h. Cargueiras e reta final. Estávamos quase lá. O lá que estava sendo conquistado. O lá de de dentro, o lá de fora. Aos passos. O de cada um. Ao seu tempo. Juntos e sozinhos.
A Natureza foi mudando sua cor. Tinha frescor.
– Quem ligou o ar condicionado?
Novas cores. Sensações. Respiração. Novamente a inesperada contemplação.
12h. Sol. Nitidamente o sol. Cheiro de água. Som de água anunciando o fim.
Cachoeira da Maromba.
Som de água corrente. Para não esquecermos do começo, do início, do gênesis do que a vida nos convida. Todos os dias. A sermos atravessados.
A atravessarmos.
A percorrermos caminhos.
Refazermos caminhos.
Criarmos caminhos.
Aprendi com a Travessia que caminho se faz enfrentando. Transpondo. Juntos e sozinhos.
Para a vida?
Receito Montanhas. Receito caminhos.