Eu estou na assistência ao parto desde 2005 e passei por várias fases: a da ativista, a da paciente, a da que não quer mais falar sobre o assunto…
Há muito tempo eu venho questionando a forma como as mulheres que se encantam por uma assistência humanizada no parto vêm se colocando no momento em que estão vivendo seu trabalho de parto (TP). Parece que parir naturalmente virou meta, quase uma seita ou provação. O discurso tornou-se ao longo dos anos um tanto enfático na intenção de que parturientes não devem em momento algum pedir ou sucumbir à uma analgesia. Ao passo que a indicação de uma cesariana tornou-se, então, um atestado de incapacidade! PARA TUDO!
Mais uma vez é o corpo feminino (massivamente) que vem sendo questionado sobre sua capacidade.
Na antemão de resgatarmos a fisiologia e lembrarmos o incrível potencial do corpo gravídico parindo, temos uma arquibancada de juízes aguardando algo “dar errado” para então dizer “eu sabia” ou “eu avisei”.
O momento do nascimento de um filho é (pra maioria) um momento de alegria, de emoção… talvez o dia mais incrível de suas vidas. Mas então, com o tanto de expectativas e metas que colocamos nesse processo, o tornamos um momento de tensão, angústia, preocupação e até vergonha. “Como assim, vergonha?”
Pois é… eu já percebi no olhar de algumas das parturientes que atendi que “ir pra cesárea” era uma comprovação de que “ela estava errada sobre seus conceitos” e afinal “ninguém de sua família tem mesmo partos normais”. O que estamos fazendo???
O que é de fato SER FORTE no momento do parto?
Aguentar dias e dias contrações e parir sem nenhum método farmacológico para alívio da dor?
Pra mim, SER FORTE no parto é conseguir se manter alegre e leve com a chegada de seu bebê mesmo que os planos mudem… ser forte é lembrar que você enfrentou um sistema cesarista buscando o melhor pra vocês e não pra provar nada pra ninguém. Ser forte é conseguir se manter tranquila submetendo-se à uma cirurgia pra poder trazer seu bebê de forma mais segura (quando então a cesariana é bem indicada). Profissionais precisam falar mais sobre “quando o parto não acontece como planejado” pois estamos deixando as pessoas gestantes e parturientes muito frustradas, questionando-se “o que há de errado com seus corpos ou com sua psique”.
O nome do documento que preenchemos é PLANO de parto e não META DE PARTO. Analgesias às vezes são bem-vindas e resolvem o entrave do processo. Cesarianas salvam vidas e salvam bebês de sequelas. Intervenções podem sim ser necessárias.
Cuidemos dos discursos que proferimos durante o pré-natal sobre o que significam as intervenções. Que possamos sempre ser claros e verdadeiros sobre o que pode significar, por exemplo, tomar uma analgesia mas que não sejamos radicais a tal ponto de trazer desconforto à essa família durante seu processo de parturição. Humanizar a assistência é informar baseada em evidências sempre respeitando o protagonismo e as decisões de quem está parindo. A mudança do sistema obstétrico que desejamos precisa começar em nós mesmos. Ser forte vai muito mas muito além de suportar a dor física.