Ver ou não ver? Filosofia do cinema

25 de novembro de 2022

Pantera Negra: Wakanda Para Sempre

Em que momento vamos finalmente admitir que, enquanto tipos ou figuras sociais, a maioria dos vilões da Marvel e DC são, de fato, os defensores da ‘causa justa’, os ‘caras bons’? Ou, para reformular essa alegação, que no fundo os super-heróis são os verdadeiros inimigos da liberdade, emancipação e igualdade comunitária? Já no primeiro “Pantera Negra” (2018), presenciamos Killmonger (Michael B. Jordan) tentar fazer política internacional desenvolvimentista e tecnológico-humanista. Para simplificar, o vilão quer que Wakanda (o reino fictício do Pantera Negra) ajude países oprimidos e pobres com sua riqueza material e cultural. Porém, ele é detido por T’Challa (Chadwick Boseman), o rei-herói protagonista do filme, que representa uma estrutura de poder feudal e encantada (simbolizada pelo metal ‘mágico’ Vibranium). Observamos, então, nessa primeira obra o conflito entre um monarca que defende um isolacionismo (Wakanda oculta seu poder econômico e científico) e reformas globais graduais ineficazes e um rebelde que busca abrir as fronteiras de sua nação e compartilhar seu conhecimento e recursos naturais. – Evidentemente, o revolucionário irá perder, tanto moral quanto fisicamente (i.e., na porrada).
Nesse filme continual, “Pantera Negra: Wakanda Para Sempre”, constatamos o surgimento de um novo vilão. Namor (Tenoch Muerta Mejía) é rei de Talokan, uma cidade-estado subaquática que também tem acesso a Vibranium. Ele recebeu todos seus poderes após sua mãe ser abençoada por K’uk’ulkan, uma divindade maia, em um ato de piedade por ela e seu povo (atacado e colonizado por europeus). A meta central de Namor é utilizar a substância sobrenatural para subjugar as ‘organizações da superfície’ antes que estas o destruam. Talokan – uma mescla de Atlântida com Tl?l?c?n – tipifica todas as instituições ambientais e populações indígenas que somente consideram a violência ou força bruta o único modo de combater o extrativismo sistêmico do capitalismo industrial. (Por ex.: os ianomami que, de vez em quando, aparecem no jornal amarrando garimpeiros ilegais e quebrando tratores). E a princesa Shuri (Letitia Wright), a nova Pantera Negra? O que ela personifica? Ora, a ‘heroína’ é simplesmente o feminismo jogado no interior da entidade monárquica isolacionista reacionária indicada acima (Wakanda). E o que ela faz, no final das contas? Ela convence os agitadores ‘ecologicamente conscientes’ de que a forma mais sensata de mudar o mundo é através de negociações pacíficas, acordos, legislações inclusivas e ‘modernas’ etc. Em suma, ela persuade Namor a ceder à ideologia do progressismo conservador tímido: ou, o que chamaríamos aqui no Brasil, de política de centro-esquerda – a moral mais ‘radical’ e menos ofensiva que Hollywood consegue propagandear. (No mundo concreto, a mensagem do filme seria análoga a uma militante falando para um índio não combater e atear fogo em campos madeireiros; mas, sim, ir para as urnas e votar certo: essa é a esfera legítima de ação do cidadão.)
Para finalizar, gostaria de citar soltamente uma frase de Zizek e Jameson: “Hoje em dia, conseguimos imaginar com mais facilidade o fim do mundo do que uma solução real, eficaz para os problemas trazidos pelo capitalismo”.

Michael Gartrell

Formado em filosofia, hoje levo adiante um doutorado sobre a história da percepção. Escritor e acadêmico voltado para pintura e cinema.

A arte, muitas vezes, é inconsciente da realidade que ela manifesta. Estamos aqui para entender o que ela tornou visível mas se recusa a enxergar.

  michael.gartrell@hotmail.com