Elos, Fatos & Afagos

5 de dezembro de 2022

O Teto de concreto das filhas do crime.

Há 44 anos Marilyn Loden deu nome as algemas que atavam o nosso ser.
“glass ceiling” ela disse para as vendas que nos impediam de ver o céu.
São tantas as amarras que 4 décadas não foram suficientes. O teto está aqui.
Mas o que Marilyn não sabia e tantas outras mulheres cujo privilégio beijava os olhos,
é que o teto para mulheres “de cela” é de concreto inexorável.
E ninguém se importa…ninguém ousa o movimento de notar as filhas do crime.
Pois nascer mulher é condição agravante para qualquer pena,
E o nosso telhado, cara sociedade, é de concreto.

Fernanda Padilha.

Esses dias, uma amiga do Doutorado (Cátia Husemann), me pediu para que eu escrevesse algo sobre a teoria do “teto de vidro”. Como criminalista, ela queria fazer um “link” da teoria estadunidense com as mulheres carcerárias.

A teoria, em breves palavras, aborda uma barreira “transparente”, todavia, forte o bastante para impedir a passagem das mulheres aos níveis hierárquicos mais elevados nas organizações onde trabalham.

As barreiras que, a meu ver, não são nada invisíveis como sugere a teoria, originam-se de fatores socioculturais associados ao gênero, pois o sexo feminino ainda é visto como “seio” do lar e máquina reprodutiva da sociedade.

Pois bem. Para fazer a correlação da teoria com as mulheres carcerárias, tive então que vendar meu olhar civilista e mergulhar em uma realidade um tanto atípica e, talvez por isso, MAIS interessante: o mundo das filhas do crime.

Logo, hoje a coluna tem um pingo técnico jurídico e litros de humanidade. Extraio também trechos do trabalho da minha amiga/sócia Caroline Natal, (Natal, Caroline “MULHERES INVISÍVEIS: O REFLEXO SOCIAL DA DISCRIMINAÇÃO E VIOLÊNCIA DE GÊNERO NOS CÁRCERES”,2021) com o intuito de trazer a realidade das mulheres carcerárias e o quanto o nosso teto, como mulheres, se torna ainda mais intransponível após o delito.

[…] Esta é a verdade dos cárceres: depósitos de corpos, cemitérios em vida. A tortura está fortemente presente nas prisões, e, quando falamos de mulheres essa tortura é ainda mais crítica, como reflexo da sociedade que vivemos. Além das violações sofridas em comum entre os gêneros, as mulheres, todavia, ainda colocam a maternidade em jogo. No Brasil, por exemplo, para o pleno direito ao exercício da maternidade, é essencial analisar a relação entre a infraestrutura penitenciária e a capacidade de garantir direitos básicos. Isso significa na prática, que a maioria das mulheres são separadas de seus filhos logo após o nascimento, porque a exceção são as penitenciarias com infraestrutura para o amparo de recém-nascidos ou crianças. (Natal, Caroline, 2021).

[…] As mulheres não são privadas somente do direito à liberdade, são privadas também do direito à intimidade, à privacidade (considerando-se que a maioria das prisões femininas no Brasil são prisões masculinas reformadas e as mulheres não possuem banheiros com os confortos necessários para cobrir sequer as partes íntimas), saúde (não há ginecologia ou acompanhamento psicológico nas prisões, nem campanhas de vacinação), vida sexual e reprodutiva (enquanto nas prisões masculinas há, sem exceção, o direito à visitação íntima, no caso das mulheres, nem todas as prisões permitem o exercício deste direito, e, quando o fazem, exigem o cumprimento de uma série de requisitos, que resultam na impossibilidade). (Natal, Caroline, 2021).

[…] Lamentável, tratarmos dessa tortura tão primitiva de forma atual, em um mundo de possibilidades, progresso e mudança. Ser obrigada a tomar anticoncepcional após visita intima. Ser vigiada e acorrentada enquanto dá à luz, estar presa e estar sozinha. Ser julgada pelas leis e pelas pessoas. Ser julgada má porque teve filhos e não conseguiu criá-los. Ser incriminada porque arrumou trabalho ilegal para não ver seus filhos morrerem de fome. Ser INVISÍVEL e CONDENADA a ser MULHER.

O que estou querendo dizer é que quando estamos falando de mulheres carcerárias um teto de vidro seria um privilégio. O teto é de concreto e poderia ousar a dizer que, inclusive, perpétuo. Só que ninguém se importa.

Fernanda Padilha

Advogada, professora, especialista em Direito de Família e Sucessões e Doutoranda em Direito Civil pela Universidade de Buenos Aires, Argentina.

Escritora do Projeto Cultural Útero (Projeto aprovado pela Administração Pública Municipal e que tem como objetivo abordar pautas feministas de forma artística).

Amante da arte e defensora dos emocionados. Acredita no poder desmistificador das palavras e na força revolucionária do afeto.

  fernanda.padilha.ppndadvogados@gmail.com