Eu poderia escrever sobre qualquer assunto, mas não consigo pensar em outro que seja tão necessário quanto falar sobre o que nós mulheres passamos durante a gestação, parto e pós-parto. Essa semana explodiu nas redes sociais a notícia do anestesista que dopava e abusava de mulheres durante a cesariana e foi preso em flagrante. Tanta coisa passa na minha cabeça quando penso nesse caso… já começo me desculpando pelo tom “raivoso” com que escrevo hoje, mas as palavras estão saindo com todo o meu sentimento impregnado nelas.
Além de mulher e mãe, sou obstetriz e lido diariamente com gestantes e lactantes. Se há uma palavra que define esses períodos em nossa vida diante do mundo é: vulnerabilidade. Com o desejo de fazer o melhor pelos nossos filhos, nos submetemos a todo tipo de conduta e intervenção. É aí que entra a humanização da assistência, também chamado de ‘empoderamento’ das pessoas que gestam.
Nós todos (mas especialmente nós mulheres) fomos educados a não questionar práticas médico-hospitalares e sempre confiamos que àquele que nos assiste está cumprindo com seu juramento e oferecendo tudo o que pode em prol do nosso bem-estar. Mas infelizmente não é assim.
Diga lá: você acha que a massiva maioria das parturientes preferia estar sozinha no momento do parto ou preferiria ter ao seu lado um acompanhante, que além de apoio emocional é também alguém que estaria ali para defendê-la ou protegê-la de atos como o desse ser inescrupuloso (ou deveria dizer doente?) que estuprou a moça inconsciente? Não temos a menor dúvida de que preferimos ter uma pessoa de apoio ao nosso lado. Mas sabe o que é pior? Nós temos uma LEI federal (11.108) que nos respalda ter esse acompanhante e simplesmente essa lei não é cumprida. Por que? Porque o acompanhante incomoda, questiona, evita intervenções que facilmente a equipe faria numa pessoa totalmente vulnerável (seja pela dor, pelo medo, por ambos).
Se o pós-parto é já difícil para alguém que teve acolhimento, acompanhante, suporte, informação e tudo o mais que pudermos enumerar, imagine o que está vivendo essa mulher que soube depois que foi violentada enquanto estava entregue aos cuidados médicos para receber seu filho nos braços? Eu só consigo ter vontade de chorar e abraçá-la porque o pós-parto é um momento que a gente fica tão sensível (inclusive por ação dos hormônios), que “uma gota vira mar” e eu não consigo mensurar o que ela está pensando, sentindo e sofrendo com tudo o que passou (além da violência, a exposição).
Nojo. Tristeza. Revolta.
E como obstetriz eu penso: já passou da hora das mulheres entenderem que o parto é DELAS e tomar para si esse momento, exigindo respeito, exigindo a companhia do seu acompanhante (seja lá quem ela tiver escolhido para acompanhá-la – companheiro ou companheira, a mãe, uma doula, a amiga…), exigindo ser informada sobre tudo o que será feito em cada procedimento no seu corpo ou de seu bebê, estudando e elaborando um plano de parto, exigindo que seu plano de parto seja lido e receba a devida atenção. Essa mudança vai partir de NÓS, tanto no dia a dia como na denúncia aos órgãos públicos. Chega de submissão, chega de humilhação, chega de violência!