Gosto de gente.
Mas, gosto muito de palavras. As ditas e as não ditas. As bem ditas e as mal ditas.
Gosto muito de gente que usa palavras.
Gosto muito de palavras que usam pessoas.
Elas me intrigam. É um tipo de chamamento para desvendá-las, ainda mais, na boca de cada um. Boca que fala, que sente. Boca que denuncia segredos sabidos e não sabidos do mundo de dentro.
Às vezes minha memória resolve adoçar meu café com lembranças.
Lembro-me que quando criança, tinha o costume de virar as peças de roupa do avesso antes de minha Mãe comprá-las. Queria ver como toda aquela costura se dava, acontecia. Não era diferente na costureira.
Avessos.
Era repreendida algumas vezes com o já conhecido discurso:
- Não aparece!
- Ninguém irá ver o lado de dentro.
Mas, eu sabia.
Sabia daquele bolso mal acabado do lado de dentro. Sabia dos fios como restos aparentes.
Detalhes.
Algumas palavras me chamam.
Me convidam para olhar a parte de dentro. Como se dão. Acontecem...
Como se movimentam. O que querem de fato dizer.
Palavras são sintomas.
Sintomas que permitem nosso corpo se expressar quando quer. Quando precisa dizer.
Acontecer.
No momento que escrevo, parece que nem o corretor a conhece. Isso já me diz tanto...
No Dicionário, aparece como um equívoco, insisto em corrigi-la e arrisca me sugerindo outra.
Peço licença para escrever minha palavra do momento.
Concernimento.
No último dia 30, gritava para ser considerada. Existida. Era como se quisesse ser escrita por aí, nos muros, outdoors e dentro das pessoas.
Neste dia, tivemos a oportunidade de escrevê-la. Caso tivéssemos pelo menos parte desta maturidade psicológica inscrita em nós.
Ela se trata de relações. Nós e o outro além de nós.
Já pararam para pensar que o mundo se dá nas relações?
Vejam só, nosso primeiro mundo externo, o colo de nosso cuidador principal, o qual geralmente conhecemos como Mãe, a maioria de nós somos filhos da Mãe. Ali, mora a etiologia da nossa saúde psicológica emocional ou a falta dela.
É no colo, no braço do abraço e no olhar. É nesta relação ambiental que a vida acontece ou padece.
Quando somos olhados, temos a experiência do próprio existir. Nos sentirmos unos, unificados, não espalhados.
Winnicott, médico pediatra e psicanalista que se interessava pela saúde primeva psicológica emocional do bebê, após percepções, observações e inúmeras pesquisas, percebe que o bebê após o nascimento, no que chamaremos aqui de Dependência Absoluta, depende de um ambiente confiável, gerado por uma mãe suficientemente boa (aquela que se adapta suficientemente bem às necessidades do bebê).
Confiança, aqui, encarada como previsibilidade, um ambiente que seja estável o bastante para permitir uma continuidade do ser por parte do bebê, que constitua assim o ambiente facilitador, um tempo em que precisa ser cuidado, tocado, olhado, já pode vir a começar adoecer. E assim, a relação segue para os Estágios mais avançados do desenvolvimento infantil, Independência relativa. Fase esta de transição, desmame, aonde acontece um grande processo de desilusão, mas, criando condições para se afastar um pouco mais do ambiente e vai se aprendendo a se relacionar com a realidade, eu e não eu, criando condições para escapar da onipotência, lidar com a perda, com o luto, que é algo que teremos em todo decorrer de nossa existência, para poder alcançar um lugar que tenha condições para se relacionar com os fatos da realidade, possibilitando diferenciar fato da realidade, manter relacionamento com os objetos do mundo e, que freudiamente falando, transitaríamos do princípio do prazer para o princípio da realidade, quando a criança já está em meio aos outros, usufruindo das relações intersubjetivas.
Assim, vai-se construindo uma capacidade de se preocupar com o outro.
Possibilitando entregar ao outro algo que suponho que não o tenha.
Posso enfim, pensar “além da bolha”!
Para poder ir se separando. Daquele colo. Daquele mundo e por fim, considerar o mundo.
É na relação do bebê com o cuidador principal que se dá a oportunidade de perceber o outro como um como diferente de si. Se preocupar com o outro e com o futuro. Perceber o mundo pela perspectiva do outro. Ter noção do que é desigualdade, considerá-la e ser capaz de fazer reparações.
Na psicanálise winnicottiana, um ser só será maduro e saudável, entre muitas outras coisas, se alcançar e for capaz de integrar, à sua personalidade, a destrutividade, algo inerente à natureza humana, que é matéria-prima para a construtividade, no sentido de poder se transformar em contribuição para a vida em sociedade.
Uma conquista. Uma capacidade de ser. Ser com o mundo e por ele.