Super Mario Bros. O Filme (2023)

A metafísica do videogame se baseia na vontade de satisfazer regras. O que é tentar passar uma fase ou derrotar o chefão final? É justamente cumprir ou seguir todas as normas de um espaço fictício: quanto mais você atender ou completar os objetivos desse universo, tanto melhor você performou naquele jogo ou aventura. (Claramente temos que deixar de lado os RPGs ou ‘mundos abertos’ aqui: a estrutura de games assim é muito diferente das dos tradicionais lineares ou univetoriais.)

A série de jogos do Super Mario da Nintendo tem essa arquitetura fundamental: um personagem é controlado para desempenhar certas funções de modo mais excelente possível para atingir certo fim. A ‘graça’ do videogame está em executar essas tarefas de forma cada vez mais natural ou fluida: em aprender a jogar. Nesse sentido, as fases do Mario são as marcas ou símbolos do desenvolvimento da habilidade ou maestria do player – elas manifestam concretamente o que poderíamos chamar de experiência (algo quase que ausente de quaisquer outras formas de aprendizado digital, tão focadas atualmente em técnica).

De qualquer forma, “Super Mario Bros. O Filme” é uma adaptação cinematográfica dessa sequência de videogames. Esse longa-metragem busca converter uma jornada monodirecional, com uma meta apenas, em uma narrativa. Agora, nos perguntemos: qual é a diferença entre um jogo e uma estória? Games obviamente tem enredos, tramas, clímaces, protagonistas, vilões… tudo o que um épico ou conto possuem. Entretanto, sabemos que eles não são propriamente romances ou crônicas. O que então distingue um Donkey Kong ou Príncipe da Pérsia de um Matrix ou Clube da Luta?

Novamente, a regra. Jogamos Mario ou Call of Duty para efetivar regras da melhor maneira possível: seja dirigindo um carro em uma corrida, seja fazendo gols em um campeonato. Nosso prazer está em concluir ou terminar o jogo. Sem nós, um videogame é incompleto, inacabado, vácuo. Ele precisa do player para ser completo. – Agora uma estória, não. Ela se encontra já escrita, filmada, finalizada. Se você não assistir a “Super Mario Bros. O Filme” ele vai continuar existindo, sendo uma peça de cinema. Percebemos, de fato, que um filme não precisa do espectador para se preencher, se totalizar, por assim dizer. – Como, portanto, transformar um game em uma obra cinemática?

Bem, o único jeito de fazer um jogo se tornar um filme é modificando sua configuração interna. “Super Mario Bros. O Filme” parece um videogame graficamente; no entanto, o que elevou a série original de cartuchos da Nintendo a patamares tão altos está ausente na película. Porém, não por uma falha por parte do diretor ou estúdio. Não. “Super Mario Bros. O Filme” apresenta um fracasso estrutural. A plateia não consegue interagir com os personagens da maneira que se habituou. Vamos ao cinema esperando inconscientemente o prazer de jogar, não de testemunhar. Prova disso é que as melhores cenas da produção são aquelas onde parece que Mario efetivamente está sendo jogado por alguém. – Infelizmente, não é por nós.

“Super Mario Bros. O Filme” surge como um jogo zerado sempre por outras pessoas – nunca pelo público.

Michael Gartrell

Formado em filosofia, hoje levo adiante um doutorado sobre a história da percepção. Escritor e acadêmico voltado para pintura e cinema.

A arte, muitas vezes, é inconsciente da realidade que ela manifesta. Estamos aqui para entender o que ela tornou visível mas se recusa a enxergar.

  michael.gartrell@hotmail.com