Trem-Bala

Temos aqui um filme de ação, até certo ponto, despretensioso. É raro, hoje em dia, vermos obras de arte que não buscam propor mais do que são, mostrar-se profundas e reflexivas quando, na verdade, são superficiais e impulsivas. Não acredito que “Trem-Bala” seja meditativo, denso ou crítico. Muito pelo contrário – esse longa-metragem se apresenta como puro entretenimento, como duas horas de ‘montanha-russa cinemática’ (para usar um linguajar scorseseano). Ele quer te divertir – e nada mais.

Agora, perguntemos: essa película realmente é recreativa? Ela nos distrai e ocupa nosso tempo? Tudo bem que sua intenção é ser uma aventura de ‘Sessão da Tarde’ – porém, essa produção consegue alcançar essa barra, esse fim, por mais próximo e fácil que ele seja? Entramos em uma zona nova de mediocridade na última década. Por incrível que pareça, alguns filmes não são capazes nem de ser ‘objetos de consumo’ mais. Até os anos 90, os diretores e grandes estúdios miravam alto, queriam contar histórias boas, investiam tempo e dedicação aos seus projetos. Assim, até commodities como “A Negociação” (1998) ou “Pânico no Lago” (1999) – mercadorias culturais completamente esquecidas e triviais – eram bem-sucedidas enquanto brinquedos descartáveis para a mente. Contudo, como Hollywood, atualmente, quer fazer filmes de Sessão da Tarde, o nível ou padrão decaíram. Antigamente, uma obra apenas poder ser assistida descontraidamente, para só relaxar e fugir do mundo, provava que ela tinha fracassado, errado enquanto arte. Ser divertida ou se tornar entretenimento era sua última opção, sinal de que estava no fundo do poço estético. – Que época excelente vivíamos.

Entretanto, desde o final dos anos 2000, criar filmes que procuram ser dispensáveis, fast-food do pior tipo para o cérebro se consolidou como um dos maiores objetivos do cinema americano. Se você sonha demais e não atinge o que almejava, pode cair no meio, em uma região confortável e interessante até. Todavia, se alguém começa já rasteiro, enxergando pouco e baixo, pensando em dar para os convidados do jantar a ração do cachorro – se essa pessoa falha, o que sobra? No mínimo, lixo ou os restos que nem o anfitrião está disposto a comer.

Essa é a filosofia que “Trem-Bala” revela. Ela é o sintoma de que a indústria do cinema não quer mais nos dar sonhos. Essa fábrica de filmes está contente em nos dar arte estragada, vencida, rançosa – e deseja nos ver felizes com nossa indigestão.

Michael Gartrell

Formado em filosofia, hoje levo adiante um doutorado sobre a história da percepção. Escritor e acadêmico voltado para pintura e cinema.

A arte, muitas vezes, é inconsciente da realidade que ela manifesta. Estamos aqui para entender o que ela tornou visível mas se recusa a enxergar.

  michael.gartrell@hotmail.com