Ainda não sei, mas vou saber

24 de maio de 2023

Para quando você voltar

Já não existe o mesmo som de passos caminhando pela casa.
O silêncio virou minha única companhia.
Até mesmo o vaso de flor-de-maio que você me deu acabou murchando.
O céu chora junto comigo. Chove.
Olho para as gotas que batem na janela da sala e escorrem, formando um grande caminho que logo se perde.
Assim como nosso caminho se perdeu um do outro.
A chaleira apita, a água ferveu.
Vou para a cozinha, pego minha xícara que já está com erva-cidreira e faço a infusão na ilusão que o chá tire do peito toda angústia da sua partida.
Ainda quero manter seu travesseiro ao meu lado, o roupão pendurado atrás da porta do banheiro.
Sabe aquele chinelo velho que você gostava de usar e ficava ao lado da cama? Continua lá.
Nem mesmo as revistas que eu disse que jogaria fora porque há tempos você não as lê, vou mexer.
O copo ficou com restos do uísque barato que você bebeu antes de me dizer que ia embora.
Me agarro nas poucas formas de você que ainda existem por aqui.
Bebo um gole do meu chá e relembro outras memórias, sinto seu cheiro, respiro fundo.
Sei que você disse que não temos mais nada em comum, mas ainda vou deixar todas as coisas da casa da mesma forma que estavam quando você partiu.
Assim, quando você abrir a porta, quem sabe tenha a certeza que eu sempre tive, de que somos o lar um do outro.

Foto de Emma Dau na Unsplash

Aline Amorim

Jornalista, Pós-graduada em Acessibilidade, Diversidade e Inclusão, mãe de meninas e pets.