Ilustração de Tute
Baseado em afetos reais
“Amor é quando é concedido participar um pouco mais. Poucos querem o amor, porque o amor é a grande desilusão de tudo o mais. E poucos suportam perder todas as outras ilusões. Há os que voluntariam para o amor, pensando que o amor enriquecerá a vida pessoal. É o contrário: amor é finalmente a pobreza. Amor é não ter. Inclusive amor é a desilusão do que se pensava que era amor.”
Clarice Lispector, Água Viva.
O amor nos convoca!
O amor nos diz. Manda notícias do mundo de dentro. Não do outro. Diz sobre nós e como acessamos nossos nós…
É como se a Vida de repente levantasse um espelho bem à nossa frente. E sem termos a noção deste reflexo; amamos. Cabe a nós fitarmos o olhar. Se formos corajosos, com muita atenção.
Falar de amor é falarmos de um saber no outro, que denuncia nossa condição de faltantes.
Recorramos a narrativa simbólica, na qual a Psicanálise através de Freud, começou a se servir na tentativa de mostrar a relação entre nossos conteúdos psíquicos e a realidade que nos cerca.
Encontramos na história mítica grega (uma das Mitologias e com uma visão eurocêntrica), a fantasia popular na fábula de Aristófanes, escrita por Platão em seu livro, O Banquete. De acordo com este mito, Andrógino, um ser que carregava o feminino e o masculino, possuía quatro pernas, quatro braços, duas cabeças e dois sexos. Devido à inveja que os demais deuses tinham com tamanho poder, Zeus, que regia o Universo e controlava os céus, teria o dividido em duas partes. Assim, passaria eternamente buscando sua outra metade perdida e, então, estaria novamente inteiro. Um errante!
Eis, uma fantasia sobre o amor que nos acompanha desde os primórdios.
As histórias infantis a que fomos expostos durante parte de nossa infância, inúmeras canções das quais cantarolamos e o machismo estrutural vêm alimentar e fortalecer esta ideia. E assim crescemos.
Passamos parte da Vida buscando a tal metade da laranja. Sinto muito, Fábio Júnior. (A Psicanálise tem se expandido e nos libertado desta ínfima ideia).
Mas, o amor que realmente experienciamos nos revela outra coisa!
Mostra algo de nós e em nós que nos leva a concluir que ninguém (jamais) poderá nos salvar desta condição de faltantes.
Donald Woods Winnicott, foi um pediatra e psicanalista inglês do qual admiro e me debruço em leituras, nos diria que somos resultados do colo que tivemos. E é lá em nossa infância, desde a mais tenra idade que aprendemos a amar, não importa como; aprendemos. E é com esse amor que nos conectamos à Vida e que trazemos conosco para amarmos.
Vamos amadurecendo e nos deparando com a alteridade em nossos encontros. Somos convidados a perder alguns ideais. Do que eu achava que este outro tinha para me dar. O que pensamos que o outro tem e talvez possa pelo menos nos emprestar nem que seja um pouquinho enquanto estivermos juntos.
E a cada encontro amoroso corremos riscos!
É o reconhecimento da diferença que nos possibilita o laço com o outro. O laço perfeitamente imperfeito. Neste caso, o desconhecimento destas diferenças nos poupam do melhor de nós mesmos. Nossa idiossincrasia. Mas, se a mesma não for conhecida e reconhecida por nós, não nos permite desenvolvermos e nos envolvermos de fato.
No amor comparecemos com a gente mesmo. Nosso real.
Temos a chance de saber um pouco mais sobre nós e como atuamos e nos comportamos a partir do que nos falta. A gente deposita muita expectativa no amor e aí a frustração aparece!
Amar se aprende amando, é gerundiar e conjugá-lo em todos os tempos verbais.
O amor nos interroga. Desloca, reloca.
Amor é encontro. Amor é desencontro. É o desconhecido. Amor é chegar. Amor, é também partir.
O amor não é orgânico. Não tem receita. Amor é o desconhecido e não anda em linhas retas. Amor é sempre outra coisa. Porque justamente nos mostra sobre nossa singularidade e a do outro.
E o que pode acontecer a partir da queda dos nossos ideais?
Termos a oportunidade de amarmos o outro como ele realmente é; outro.
Sem a ideia de completude, porém, sempre buscando sermos conosco; inteiros.
Se eu te amo é que tu és amável. Sou eu que amo, mas, tu, tu também estas envolvido, porque há em ti alguma coisa que me faz te amar. É recíproco porque existe um vaivém: o amor que tenho por ti é efeito do retorno da causa do amor que tu és para mim. Portanto, tu não estás aí à toa. Meu amor por ti não é só assunto meu, mas teu também. Meu amo r diz alguma coisa de ti que talvez tu mesmo não conheças. Isso não assegura, de forma alguma, que o amor de um responderá o amor do outro: quando isso se reproduz, é sempre da ordem do milagre, não é calculável por antecipação.”
(MILLER, J-A., Amamos aquele que responde à nossa questão: “quem sou eu”)