[Pedido de Leitora]

            Godard queria que o cinema finalmente fizesse filmes que eram conscientes de si mesmos enquanto filmes. Isso significava que a câmera tinha que mostrar que era uma câmera; que os atores necessitavam manifestar, a toda hora, que estavam sendo personagens; e que a história precisava referir a si mesma na medida em que era enredo ou trama (seu aspecto ‘metanarrativo’). Porém, até que ponto esse princípio de auto espelhamento é fértil ou desejável? Até onde é interessante criar obras que tem como conteúdo apenas elas próprias?

            Eu faço essas perguntas porque “Blonde” é um longa-metragem que é altamente consciente de si enquanto mercadoria cultural. Essa película constantemente te lembra que ela é ficção, um objeto audiovisual gerado para entretenimento. Seja com os movimentos óticos, seja através da atuação (a cada hora que aparecia a ‘Marilyn Monroe’, eu pensava, “Caralho, essa Ana de Armas é a cara da loirinha”), a peça revela incessantemente que ela é uma produção, algo feito, moldado, manipulado. Em nenhum momento achei que estava vendo a vida da Norma Jean, o mundo que a rodeava e impressionava. Eu não vi nada da atriz de cinema; nada que, por um instante somente, me desse a ilusão de realidade (aquilo que chamamos de ‘imersão’). – Isso é muito estranho. É muito bizarro porque esse filme se trata de algo concreto, factível, existente: as experiências de uma mulher, Marilyn Monroe.

            Essa obra se importa mais em se elevar como obra, em ser arte, do que em contar a estória de sua protagonista. Eu, efetivamente, sinto que não aprendi nada sobre a Marilyn Monroe vendo esse longa. Se eu tirei algo de “Blonde”, é que uma das maiores celebridades dos anos 50 e 60 era chorona e maluca – o que é muito superficial e provavelmente falso. Vejo que ela sofreu muito durante a vida; entretanto, o filme não se preocupa nenhum pouco em tentar me explicar porque ela sentiu tanta dor, quais foram as causas de tanta agonia. Há cenas de abuso sexual e físico; grande parte da peça busca representar sua vontade de ser mãe e seus abortos. Contudo, não entendemos nada de como isso afetou sua mente e fez ela ser quem era. Não compreendemos como isso influenciou sua carreira e suas opiniões sobre atuação, cinema, arte. Aliás, não assimilamos nada do que ela pensava, acreditava, dizia. Sabemos que ela não gostava de se sentir mal – perfeito, temos certeza de que ela era humana: o que mais? Nada. Nada mais.

            Fico triste por não ter visto um filme sobre a Marilyn Monroe. 

Michael Gartrell

Formado em filosofia, hoje levo adiante um doutorado sobre a história da percepção. Escritor e acadêmico voltado para pintura e cinema.

A arte, muitas vezes, é inconsciente da realidade que ela manifesta. Estamos aqui para entender o que ela tornou visível mas se recusa a enxergar.

  michael.gartrell@hotmail.com