Ver ou não ver? Filosofia do cinema

14 de setembro de 2022

Bo Burnham: Inside (2021)

[Escolha do autor]

O que é “Bo Burnham: Inside”? Simplesmente, é uma apresentação de um stand-up musical. Em outros termos, essa obra é uma performance de comédia onde as piadas não são contadas, mas cantadas. O artista, assim, além de tentar fazer você rir, busca criar melodias agradáveis, bonitas. – Algo muito ousado, se você perguntar para mim. Porém, o que importa afinal é: “Ele consegue? Esse cara dá conta de ser engraçado e um compositor minimamente decente?” Para mim a resposta é óbvia: “Sim. Evidentemente, sim.”

Bo Burnham faz duas coisas extraordinariamente difíceis em “Inside”. Há pessoas que se esforçam a vida inteira para ser um comediante excelente; há outras que se dedicam por anos e anos para se tornarem ótimos músicos. A maioria, infelizmente, por inúmeras razões diversas, falha. Entretanto, de vez em quando, vemos alguém ter sucesso e virar um Maurício Meirelles ou Ale Sater. Contudo, uma vez a cada geração – talvez –, presenciamos algo incrivelmente surpreendente. Uma vez a cada trinta, quarenta anos, encontramos uma peça de puro talento, de absurda inventividade. – Isso é “Bo Burnham: Inside”.

Esse indivíduo é capaz de tocar músicas belas ao mesmo tempo em que te faz rir e pensar. Suas letras são satíricas e impressionantemente atuais: ele as escreveu enquanto estava em isolamento por causa da COVID-19. Aliás, muitas de suas músicas abordam assuntos associados à pandemia (desde a ansiedade e depressão causadas pelo fechamento até ter que falar pelo Facetime com os pais). É raro ver genialidade de forma tão transparente. Fico feliz em recomendar esse especial de comédia porque, hoje em dia, de fato está escasso achar obras de arte de verdade. Espero mesmo que assistam essa produção e deixem sua mente descansar por um pouco. Digo ‘descansar’ porque essa é a reação que eu tenho quando contemplo algo de um sujeito que refletiu em tudo que estou experienciando: eu posso finalmente desligar minha cabeça e só absorver o que foi clinicamente elaborado, moldado para mim. – Eu não tenho que pensar sobre nada porque tudo já foi pensado de antemão pelo comediante.

Enfim, peço que vejam “Bo Burnham: Inside” para que percebam o que um gênio é em nossa época pós-moderna. Solicito que percam noventa minutos para entender o que criatividade verdadeira pode realizar quando está presa dentro de um quarto por quase um ano. – Permitam-se não ter que criticar nada por uma tarde ou noite: eu até hoje não censurei coisa alguma, mesmo nessa coluna.

Obras quase perfeitas possibilitam essa paz infrequente de não ter que julgar ninguém – nem você mesmo.

Michael Gartrell

Formado em filosofia, hoje levo adiante um doutorado sobre a história da percepção. Escritor e acadêmico voltado para pintura e cinema.

A arte, muitas vezes, é inconsciente da realidade que ela manifesta. Estamos aqui para entender o que ela tornou visível mas se recusa a enxergar.

  michael.gartrell@hotmail.com