A exposição “Carolina Maria de Jesus: Um Brasil Para Brasileiros” apresentada originalmente no IMS está em cartaz no Sesc Sorocaba e, eu parto para esta abordagem assumindo certa ignorância perante a obra e história de Carolina. Explico: antes de visitar está exposição, sabia apenas da grande importância do seu livro “Quarto de Despejo” de 1960, o qual eu tinha lido apenas algumas passagens. Falha minha? Sem dúvida! Imagino que de outras pessoas também. Porém está exposição funciona exatamente como uma instigante porta de entrada para o universo da autora.
Estamos falando de uma exposição que entrelaça história e arte, de uma forma não muito tradicional. Sua parte histórica é repleta de documentos, recortes de jornais, fotografias e páginas de cadernos, que nos permitem construir uma perspectiva bastante elaborada da pessoa que foi Carolina, isto é, além da autora preta da favela do Canindé. Ali começamos a conhecer história da menina mineira filha de lavradores, que se muda para São Paulo, torna-se mãe três filhos, solteira, vive alguns anos como catadora de lixo e que sempre manteve uma relação íntima com a arte – Carolina além de escritora e poetisa também confeccionava vestidos e adereços, foi compositora e escreveu peças de teatro entre outros experimentos.
Intercalada a pluralidade de Carolina, estão as obras de diversos artistas, que entremeiam-se em sua história, pontuando e provocando questões raciais e de consciência de classe. Confesso que é difícil dar a devida atenção a todos os mínimos detalhes ali expostos. São textos, frases, poemas, vídeos, fotografias, videoperformance, obras de diversas mídias e formatos. Essa constante troca de atenção pode tornar a experiência um pouco cansativa, ainda mais se você quiser analisar todas as nuances presentes no espaço. Porém entendo essa abundancia de informação visual como uma escolha de linguagem curatorial e expográfica, coerente com uma exposição que aborda a complexidade da vida de Carolina. Ali existe também um diálogo claro entre presença de materiais não tradicionais nas obras expostas e a atividade dos catadores de rua. Por outro lado, a exposição não se fixa apenas nessa vertente das dificuldades vividas por Carolina. Neste caso dou ênfase as fotografias de Zélia Gattai e o retrato de Carolina, feito especialmente para a exposição, pintado por Antonio Obá, que representam muito bem a faceta vaidosa e potente da artista.
Devido a densidade de informações presentes, posso afirmar que essa é uma exposição para ser vista mais de uma vez. Nesse caso, minha recomendação é: permita que seu olhar tenha autonomia para escolher o que mais te chama atenção, não tenha medo deixar passar algumas coisas e volte outras vezes para outras imersões.
“Carolina Maria de Jesus: Um Brasil Para Brasileiros” é uma exposição intensa, as paredes vermelhas já avisam isso com antecedência, a crítica social presente nas obras é incisiva e extremamente coerente com a linguagem proposta, ao ponto de, em alguns momentos esquecer-me que estava vendo uma exposição coletiva, o que para mim faz todo o sentido, pois coloca a artista em um lugar (merecido) de desataque. Carolina foi pioneira na representação, vista de dentro, da realidade severa das populações marginalizadas dos centros urbanos e seu trabalho continua extremante atual, por conta disso é referência e inspiração para diversos artistas, que continuam seu trabalho de denúncia a essas injustiças.