Repenseria

6 de outubro de 2022

Carta aberta às mulheres que não gostam do Lula, nem do Bolsonaro

Créditos: Damian Siod?ak on Unsplash

Hoje eu quero conversar com você, que não gosta nem do Lula, nem do Bolsonaro. E começo já com um desabafo: mas que encrenca foi essa em que o Brasil se meteu nesse segundo turno, hein? Minha nossa.

Você também não aguenta mais as notícias das eleições, as brigas nos grupos de família e as lacrações nas redes sociais? Gente, até eu, que adoro falar de política, também não aguento mais esse clima de guerra. Estou exausta.

Mas não é pra menos. Estamos há pelo menos quatro anos nessa história, vendo pessoas que se gostavam, trocando hoje xingamentos, rompendo relações e faltando com respeito umas com as outras.

Perdemos a capacidade de dialogar. E isso é muito triste, você não acha?

Você sabe que eu trabalho no mercado financeiro há mais de uma década. E estruturei a minha carreira dentro de um ambiente em grande parte masculino e de direita.

O que você talvez não saiba é que todo mundo com quem eu trabalhei sempre soube que eu sou de esquerda. Nunca escondi meu posicionamento político no trabalho.

E isso não me impediu de crescer na minha carreira e ter hoje o meu próprio negócio, em que atendo, inclusive, muitos clientes de direita.

Sabe como isso foi possível?

É que eu nunca deixei de dialogar com quem pensa diferente de mim. Eu só não dialogo com quem desrespeita as minhas opiniões ou ameaça a existência de algum grupo de pessoas. 

Você conhece alguém assim?

Pois é. Eu também. E neste texto, eu vou abordar sete temas polêmicos, que precisamos discutir com urgência. Espero inspirar reflexões que façam sentido para você.

Confira a lista de tópicos abaixo e fique à vontade para pular direto para o assunto que te interessar mais:

  • Nem Lula, nem Bolsonaro?
  • Juntas para defender o mínimo
  • Brasil passa fome
  • E a corrupção?
  • Deus e família na esquerda
  • Mais afeto, menos violência
  • Não acredito em salvadores

Fico muito feliz que você tenha chegado até aqui e esteja aberta a me “escutar” através do meu texto. Hoje em dia, isso tem sido cada vez mais raro. Obrigada desde já.

É que não tem como eu continuar falando de “Mulheres, Dinheiro e Autonomia” nesta coluna sem considerar o nosso futuro político nos próximos quatro anos, que iremos definir em menos de um mês.

Vamos repensar juntas sobre ele?

Nem Lula, nem Bolsonaro?

Escrevo esta carta aberta porque temos uma escolha importante para fazer no dia 30 de outubro. E confesso que eu também não estou confortável com ela.

No entanto, essa é a decisão política mais importante que vamos tomar nos últimos 40 anos. Estamos vivendo um momento histórico.

Por uma questão de transparência e respeito com você, acho importante deixar claro que eu votei no Lula no primeiro turno. E que meus votos costumam ser sempre em candidaturas de esquerda.

Então, você pode imaginar que eu não estou nada feliz com a aliança que o Lula fez com o Alckmin, um candidato da direita que eu sempre critiquei. Em condições normais, eu nunca votaria numa chapa que apoia o Alckmin.

A questão é que essas não são eleições normais. Infelizmente.

É só olhar para a Simone Tebet, por exemplo. Talvez você simpatize com as visões dela.

Ficou muito evidente a inteligência e a coragem dela na CPI da Covid e nos debates do primeiro turno.

Respeito muito a decisão dela de apoiar o Lula no segundo turno. Não deve ter sido nada fácil para ela declarar esse apoio.

Talvez você também, como ela, pense muito diferente do Lula. E de mim também.

Mas isso não é um problema. Isso é democracia.

A Tebet representa uma direita democrática, que dialoga. Tenho certeza que desbancar o Ciro nessas eleições foi só o começo. Vamos ouvir falar muito dessa mulher ainda. Mérito dela.

Juntas para defender o mínimo

O que está acontecendo nas eleições deste ano é que a nossa régua baixou tanto no governo Bolsonaro, ao ponto de precisarmos voltar a defender o mínimo, o básico de uma relação – como diz minha cunhada querida, quando está brava com meu irmão (quase sempre com razão).

No Brasil, foram quase 700 mil mortos para a Covid. Uma Sorocaba inteira morreu de uma doença que teve a vacina mais rápida da história, mas não foi comprada a tempo. Bolsonaro negou a compra de vacinas da Pfizer, com entrega prevista ainda em 2020.

Em vez disso, ele imitou em uma live pessoas morrendo com falta de ar. Desencorajou a vacinação (que permitiu que retomássemos hoje a nossa vida com segurança) e disse que não era coveiro, quando questionado sobre a aceleração do número de mortos na pandemia.

Eu não sei nem por onde começar a falar sobre isso. Tenho certeza que você concorda comigo sobre o quanto isso é absurdo, ainda mais vindo de um presidente da república.

Quantas pessoas próximas a você morreram durante a pandemia? Quantas noites você foi dormir com medo de morrer ou de perder alguém que você ama para o Covid?

O mínimo que Bolsonaro deveria demonstrar numa situação dessas era sensibilidade. Passou longe, mas bem longe, disso. E nós sofremos as consequências até hoje.

Brasil passa fome

Você também deve ter reparado como aumentou a quantidade de pessoas morando na rua e pedindo dinheiro no semáforo. É que o Brasil voltou para o mapa da fome da ONU.

Mas o Bolsonaro nega esse fato, que está diante dos nossos olhos. Poxa, qualquer pessoa que vai ao supermercado entende logo o que está acontecendo.

Você tem comprado carne bovina? Quanto está o quilo do feijão? E o litro de leite? Se está caro para a gente, imagina para quem tem muito menos do que a gente.

Bolsonaro chegou a suspender o auxílio-emergencial no pior momento da pandemia. Isso depois de já ter reduzido o valor inicial proposto pelo Congresso. 

Mudou o nome do Bolsa Família, programa que recebeu, inclusive, reconhecimento internacional pela eficiência no combate à fome, para Auxílio Brasil. Só que reduziu o valor mensal do benefício e o número de pessoas impactadas.

Agora corre para antecipar o pagamento do auxílio de outubro, antes do segundo turno, e para retomar a proposta de um 13° salário para as mulheres beneficiárias, que estava parada desde 2018. 

De onde vem essa pressa toda agora? Por que isso já não era prioridade antes das eleições?

E a corrupção?

Bolsonaro se elegeu com o discurso de combater a corrupção, que, apesar de não ter começado com o PT, se agravou, sim, no governo Lula com o Mensalão. Eu sou de esquerda, não sou hipócrita.

Eu entendo o sentimento de quem é antipetista. Mesmo. Também tenho raiva dos escândalos de corrupção no governo Lula. E, veja, eu sempre votei nele, acreditei nele desde o comecinho. Imagina como eu me sinto com tudo isso.

Mas não posso deixar de observar que, durante os governos do PT, os casos de corrupção eram investigados com mais transparência. Pessoas muito próximas ao Lula, inclusive, foram condenadas na Lava Jato.

Ele próprio ficou preso por 580 dias e eu sugiro a leitura desta reportagem da BBC que esclarece muito bem as condenações, anulações de condenações, absolvições e prescrições dos processos envolvendo o Lula. Ele coloca tudo num mesmo pacote de absolvição, mas não foi bem assim.

Mas o fato é: hoje ele não deve nada à justiça.

E agora eu te pergunto: e o Bolsonaro? Ele pode dizer o mesmo?

O presidente que se elegeu com base no discurso do fim da corrupção, já teve o seu nome e o da sua família envolvidos em dezenas de escândalos.

A negociação de propina para a compra de vacinas da Astrazeneca, a contratação de funcionários fantasmas, o esquema de “rachadinhas” e a compra de 51 imóveis em dinheiro vivo são apenas alguns exemplos.

Além disso, apoiou a criação do orçamento secreto no Congresso e decretou sigilo de 100 anos sobre diversas informações, como o próprio cartão de vacinação, as compras no cartão corporativo, visitas ao Planalto e documentos de investigações envolvendo a sua família.

O que será que o Bolsonaro quer esconder por um século?

Deus e família na esquerda

Escuto muitas pessoas dizerem que a esquerda representa uma ameaça para quem acredita em Deus e valoriza a família.

Bem, vou compartilhar com você minhas opiniões sobre alguns assuntos, que eu acho que também são importantes para você. Aí você pode tirar suas próprias conclusões.

Sorocaba é uma cidade muito religiosa. Minha família toda é de cristãos. Apesar de hoje eu viver a minha espiritualidade de outra maneira, admiro e respeito muito o pastor evangélico Henrique Vieira e o padre católico Júlio Lancelotti. Se eles não são a representação de Jesus vivo aqui na Terra, eu não sei quem é.

Eu defendo que tanto a minha família, quanto você tenham sempre o direito de expressar livremente a sua fé cristã. Que todas as pessoas, que sigam qualquer religião, tenham essa liberdade, aliás.

Falando em família, eu não acredito que a família tradicional é o único formato possível. Acho que existem várias formas de amor e relações, mas eu defendo que você tenha o direito de formar a sua família da forma que quiser. Inclusive no formato tradicional.

Ter filhos não é a minha prioridade. Mas eu quero que as suas filhas e os seus filhos também tenham a oportunidade de estudar em uma universidade pública, por exemplo, assim como eu saí de Sorocaba para ir estudar na USP. Mudou minha vida e me trouxe até aqui.

Quero que as suas crianças tenham acesso ao Prouni, implementado pelo Haddad, quando ele era Ministro da Educação. Aliás, você sabia que a ideia desse programa foi da Ana Estela Haddad, esposa do atual candidato ao governo de São Paulo?

Eu quero que os seus filhos recebam uma bolsa do governo federal para ir estudar em faculdades de outros países, assim como meu irmão e minha prima saíram de Sorocaba para participar do Programa Ciências Sem Fronteiras, também criado pelo Haddad no governo Dilma. Eles não teriam tido essa oportunidade, sem esse apoio público.

Quero que suas filhas viajem de avião para o exterior e tenham a oportunidade de estudar inglês nos Estados Unidos, assim como eu tive em 2010, quando o dólar estava bem abaixo dos R$ 5,00 atuais. Foi a primeira vez que saí do país, aos 24 anos. Transformou a minha vida também.

Mais afeto, menos violência

Eu sou contra qualquer tipo de violência e sei que você pensa da mesma forma que eu. Você já reparou que a maioria das pessoas que defendem armas são homens? E que muitos deles ainda não entenderam muito bem a força do diálogo e do afeto?

Pois é. Tem bastante coisa que eles podem aprender com a gente.

Eu quero que você, mulher, tenha liberdade para falar o que pensa. Que tenha espaço para ser o que quiser neste mundo, independente das suas escolhas. E eu também quero isso para mim, independente das minhas escolhas. Defendo essa liberdade para todas nós.

Tenho visto minhas colegas jornalistas sofrerem ataques totalmente descabidos, quando questionam Bolsonaro sobre temas que ele não quer abordar. O mais recente foi à Vera Magalhães, no debate na Band. Você chegou a ver?

E o alvo não são só as jornalistas. As candidatas Simone Tebet e Soraya Thronicke também foram atacadas pelo atual presidente, no mesmo debate. Esse comportamento dele, aliás, não começou hoje.

A verdade é que Bolsonaro não respeita mulheres. Não escuta mulheres. Disse que a própria filha foi fruto de uma fraquejada.

Honestamente, você acha que uma pessoa que age dessa forma vai priorizar em seu governo algum tema que seja importante para nós?

Eu bem sei que as 24 horas do seu dia nunca são suficientes para tudo o que você tem para fazer.

Além de trabalhar fora, você é responsável pelo serviço doméstico e pela criação dos seus filhos, atividades fundamentais para a sobrevivência da humanidade, mas que ainda são trabalhos não remunerados. Nós, mulheres, movimentamos a economia do cuidado, que é o que mantém esse país em pé.

Os homens, salvo raríssimas exceções, ainda estão longe de assumir as responsabilidades que deveriam, tanto afetivas, quanto sobre as tarefas domésticas e a paternidade.

O Lula também não é santo, mas o Bolsonaro não se dá o trabalho nem de disfarçar o desrespeito que tem por nós. E o próprio comitê de campanha dele reconhece isso.

Não acredito em salvadores

Não acho que o Lula será a salvação para todos os graves problemas que o Brasil enfrenta hoje, como muitas pessoas acreditam. Essa é uma visão ingênua.

Se eleito, ele fará um governo bem diferente dos anteriores e terá grandes dificuldades para conseguir os apoios no Congresso que precisará para governar.

Mas, ainda assim, te convido a votar em quem vai garantir que eu e você possamos seguir com essa conversa, ainda que discordemos em muitas coisas. E essa pessoa, hoje, é o Lula.

A mesma lógica vale para o governo do Estado de São Paulo. Também te convido a refletir: quem é Tarcísio de Freitas, além de apoiador do Bolsonaro? O que ele já fez pelo nosso Estado? E quais são as propostas dele que beneficiam mulheres?

O Haddad eu sei quem é. Foi ele quem priorizou os investimentos em educação citados neste texto, que transformaram não só a minha vida, como também a de outras pessoas da minha família sorocabana.

***

Quero te agradecer por ter me lido até aqui. Foi um texto longo, assim como a caminhada que temos pela frente.

Eu sei que vai chegar a hora dos nossos caminhos se separarem. Não concordamos em tudo, nem precisamos. Democracia é assim mesmo.

Mas, neste momento, a nossa prioridade deve ser nos unir para defender a existência da própria estrada democrática, que o governo Bolsonaro tenta destruir diariamente.

Para que possamos escolher nos separar lá na frente, é preciso que ela não seja destruída. Não existe bifurcação, se não houver estrada.

Com amor,

E fé, que, segundo o Gil, não costuma faiá. (:

Jenifer Corrêa

Jornalista formada pela USP, com 15 anos de experiência na área de Comunicação, gerindo projetos de conteúdo e educação financeira. Atuação em grandes instituições financeiras, como B3, Serasa Experian, Itaú e Santander, na agência de notícias Thomson Reuters e nas startups GuiaBolso e alt.bank. Pós-graduada em Administração de Empresas pela FGV. Fundadora da Repenseria, consultoria independente de comunicação e conteúdo, especializada em finanças.

  oie@repenseria.com