Ver ou não ver? Filosofia do cinema

29 de novembro de 2023

Napoleão

A forma como esse filme conta sua estória é sintomática de nossa era: ele é impaciente, fragmentado e sem foco. Parece que a própria câmera está entediada com o que está vendo, tão ansiosa para prosseguir com a ação, para chegar à próxima cena. Nesse sentido, “Napoleão” captura completamente o espírito de nossos tempos. Sabemos que nossa geração mais jovem está perdendo sua capacidade de atenção devido à natureza cada vez mais fragmentada de seu consumo digital. Também ficou claro que eles são mais propensos à inquietação e ansiedade devido à qualidade estilhaçada do entretenimento moderno (a essência descontínua e fraturada de feeds e reels, basicamente). Portanto, acredito que não é surpresa que obras de arte contemporâneas estejam começando a manifestar essa estrutura ‘despedaçada’. A maneira como percebemos a realidade está mudando gradualmente: o mundo está se tornando uma série de eventos desconectados – cada acontecimento um microcosmo em si, irrelacionado e independente de qualquer outra coisa. Por causa disso, a experiência como um todo está começando a se desintegrar em instantes minúsculos de absorção e prazer. O resultado supremo é a perda de uma narrativa ou propósito abrangente: a dissolução de uma perspectiva ou ponto-de-vista englobante (algo que filósofos do início do século 20 chamavam de “totalidade”).

“Napoleão”, assim, é a materialização cinematográfica de nossa nova mentalidade pulverizada. Para rearticular o que foi dito acima, este filme não é de modo algum entediante: sua câmera parece estar cansada do que está gravando (seu próprio movimento parece afoito, irrefletido). Entramos nessa estranha dialética de novidade constante e decepção necessária, monotonia. Como tudo é atomicamente divertido – ou seja, por talvez 20, 30 segundos – nada pode ser satisfatório a longo prazo. Parece ser essa a atitude que “Napoleão”, como obra de arte, incorpora ou revela.

Um dos aspectos mais curiosos desse longa-metragem é a representação do próprio Napoleão Bonaparte. Ele, em conformidade com a visão de mundo apresentada pelo filme, parece ser um adolescente sem graça, apático e distraído. O vemos frequentemente dançando, conversando com sua esposa, comendo, fazendo sexo etc., sem razões subjacentes para fazê-lo. Novamente, um significado envolvente ou abrangente não é encontrado neste épico. Ao espectador é oferecido uma colagem de suas atividades cotidianas – assim como alguém pode revisar todos seus stories no Instagram – sem ser oferecida uma explicação de por que elas existem.

No final, não entendemos por que as pessoas admiravam ele ou por que ele era uma figura histórica importante. Tudo o que conseguimos testemunhar é a redução da vida de um líder militar a algumas horas de suas imagens e reels mais intrigantes. É bonito, para ser sincero. Mas, no fim das contas, ele é destruído por sua própria angústia interna e vontade de sempre se apressar rumo ao próximo registro/ interessante do dia.           

Michael Gartrell                  2023

Michael Gartrell

Formado em filosofia, hoje levo adiante um doutorado sobre a história da percepção. Escritor e acadêmico voltado para pintura e cinema.

A arte, muitas vezes, é inconsciente da realidade que ela manifesta. Estamos aqui para entender o que ela tornou visível mas se recusa a enxergar.

  michael.gartrell@hotmail.com