O flamenco existe nas minhas recordações mais infantis. Ciganas pintadas pelas mãos da minha avó colorem as paredes das minhas lembranças.
A minha ancestralidade vem marcada de mulheres cuja linha de expressão parece que desenha o destino, sangue de Andaluzia, batom vermelho, e a coragem de quem leva uma rosa no peito.
Ciganas, bruxas, mulheres.
O flamenco brincou de golpe, tacón, tacón, golpe, precoce. 9 anos de idade e lá estava eu reverenciando as mulheres que bailaram antes de mim no espelho de algum passado.
Com a postura de quem sabe atravessar o mundo, mãos que hipnotizam o movimento, pés que sapateiam no patriarcado, um corpo que resiste e baila incendiado. O flamenco, mais do que uma expressão artística, é um protesto.
A dança que bailava com o fogo surgiu em meados do século XV na região de Andaluzia, sul da Espanha, em um contexto de dominação (Península Ibérica estava sob domínio dos Mouros) e foi marcada pela de povos miscigenação imigrantes, como ciganos, árabes e judeus. Era um beijo de raças que resistiam as relações de subalternização.
Aos meus olhos, é uma dança feminina. Não, não visto capa do sexismo, tenho completa consciência da participação do gênero masculino nesses séculos de dança. Mas, quando penso no flamenco, vejo a força do feminino. Vejo as 9 luas nas pontas dos dedos de quem baila com marés. O lábio rubi de quem dita a sabedoria. A coragem sedutora de quem pare a luz do mundo.
Flamenco é “El baile” do povo subalternizado personificado no gênero oprimido.
E me desculpe o tal enredo patriarcal,
mas o flamenco é uma mulher.