Nada de Novo no Front

Segundo filme mais indicado ao Oscar 2023, com 9 nomeações.

       Esse é um dos primeiros filmes das Grandes Guerras que assisto que coloca o espectador na posição dos alemães. “O Resgate do Soldado Ryan” (1998), “A Lista de Schindler” (1992), “Bastardos Inglórios” (2011), “1917” (2019), entre outros, sempre são muito cuidadosos para separar a perspectiva do público daquela dos germânicos das Duas Mundiais. Obviamente, temos “O Triunfo da Vontade”  (1935), de Riefenstahl, como contraexemplo. Entretanto, esse longa-metragem era mais uma propaganda nazista de duas horas do que propriamente uma estória sobre batalhas, soldados e sangue. Mais recentemente, vemos “Jojo Rabbit” (2019) também como um caso contrário. Porém, novamente, essa obra não é sobre conflitos, táticas e tiros; mas, sim, sobre o ponto de vista de uma criança fanática e ingênua. (Seu amigo imaginário é uma versão ‘cômica’, pastiche de Hitler.)

            De qualquer forma, “Nada de Novo no Front” é sobre a luta de trincheiras na Primeira Guerra Mundial. E, seu argumento original é que presenciamos todos os confrontos a partir do ângulo dos combatentes alemães. Como eu disse acima, a história do cinema sempre foi muito cautelosa no que concerne o distanciamento de óticas ou lentes. Em quase todas as narrativas de guerra, há uma divisão muito marcada e rígida entre os heróis, os bonzinhos, e os vilões, os malvados. Certamente, esses segundos sempre são incorporados pelos germânicos (ou, mais amplamente, a Tríplice Aliança na 1ª GM e o Eixo na 2ª GM). Sua participação nessas películas ocorre, via de regra, em frente à câmera: eles são os observados, julgados, condenados e, em última instância, mortos. Agora, a atividade protagonistas, dos ‘salvadores da pátria’ (Tríplice Entente na 1ª GM e Aliados na 2ª GM), quase sempre se dá atrás da câmera. Em outras palavras, a tela está geralmente situada dentro do campo ou às costas da investida americana, inglesa, francesa etc. Com essa estrutura recorrente, o telespectador constantemente se encontra no lugar do observador, julgador, condenador e, finalmente, assassino. Quando os americanos estão invadindo as praias da Normandia no Dia D, em “O Resgate do Soldado Ryan”, a câmera está dentro dos navios, vigiando os bunkers do ponto de vista dos soldados estadunidenses. No momento em que os nazistas estão invadindo os guetos em “A Lista de Schindler” e detectamos a famosa garota do vestido vermelho, a câmera se insere no ponto de vista de Oskar Schindler. Na noite do extermínio dos nazistas, em “Bastardos Inglórios”, testemunhamos o massacre de cima, do nível de onde estão os dois agentes americanos que estão atirando.

            Enfim, nesse filme a câmera segue praticamente só os alemães. Nós, como a plateia, nos situamos do lado deles nesse longa-metragem. Dito isso, sabe o que é mais curioso sobre “Nada de Novo no Front”? O elemento mais interessante dessa obra é que seu título está correto de uma maneira muito inesperada: em nenhum instante você percebe alguma diferença entre ele e qualquer outra estória de guerra. Esse é o conceito fundamental dessa película: a partir do ponto de vista dos soldados, toda guerra é idêntica. Quando você está na batalha, não importa se você é alemão, americano, brasileiro ou japonês: todas as atrocidades, sofrimentos, perdas, loucuras, atos de coragem etc. são os mesmos.

            Se você acha que esse filme te trará algo novo por mostrar uma perspectiva alemã sobre a Primeira Guerra Mundial, reflita mais um pouco. O que há de inovador nessa peça de arte não é o lado da câmera; é, talvez pela primeira vez, a quebra de todos os lados de uma câmera em um filme de guerra.

Michael Gartrell

Formado em filosofia, hoje levo adiante um doutorado sobre a história da percepção. Escritor e acadêmico voltado para pintura e cinema.

A arte, muitas vezes, é inconsciente da realidade que ela manifesta. Estamos aqui para entender o que ela tornou visível mas se recusa a enxergar.

  michael.gartrell@hotmail.com