Repenseria

3 de maio de 2023

Ser mãe é uma atividade econômica com impacto direto no PIB

(Foto de charlesdeluvio na Unsplash)

Maio é o mês das mães e quero te propor uma reflexão. Se você é mulher, quantas horas do seu dia são destinadas para tarefas domésticas? E para a cozinha?

Se você é mãe, quantas horas do seu dia são direcionadas para os cuidados das suas filhas e dos seus filhos?

Se você tem parentes idosos, com deficiência ou alguma doença crônica, quantas pessoas dividem o cuidado deles com você?

Certo. Agora, mais uma pergunta: quanto você ganha por essas atividades, que competem com outras necessidades suas, como trabalhar, estudar e descansar?

E, se você é homem, repare nas mulheres à sua volta. Te convido a fazer essas mesmas perguntas a elas. E escutá-las com atenção.

Depois de ouvir as respostas, compare com a quantidade de tempo do seu dia que você gasta com afazeres domésticos, preparo das refeições e cuidado de outras pessoas da sua família, especialmente se você for pai.

O dia tem as mesmas 24 horas para todo mundo. É verdade. Mas não dá para negar que existe uma grande diferença em como essas horas são ocupadas entre as pessoas.

Ser homem ou mulher influencia diretamente na quantidade de tempo livre disponível para interesses individuais. Inclusive o lazer.

Economia do cuidado

Planejar refeições, fazer compras, cozinhar, limpar o banheiro, lavar roupa, consertar o vazamento da pia, dar banho nas crianças e amamentar. Essa lista de atividades tem dois pontos em comum:

  1. São essenciais para que qualquer ser humano da nossa época tenha uma vida saudável;
  2. São exemplos de trabalho “invisível” e não remunerado.

Estudo do Ipea mostrou que 91% das mulheres realizam tarefas domésticas, ante 55% dos homens. Além disso, as mulheres dedicam 18 horas a mais por semana nessas atividades não remuneradas.

Paralelamente, levantamento da Think Olga mostrou que as mulheres brasileiras gastam, em média, 61 horas por semana (o equivalente a dois dias e meio) com os cuidados da casa e de quem vive nela.

Se essas horas fossem remuneradas, elas representariam 11% do PIB do Brasil.

Perceba, então, que se existe um desequilíbrio na divisão das tarefas domésticas na sua família, esse não é apenas um problema da sua casa. Estamos falando de uma questão estrutural, que reflete a nossa cultura e a forma como nos organizamos em sociedade.

A desigualdade de gênero na distribuição do trabalho doméstico não é uma realidade só do Brasil. Estudo da Oxfam mostra que, em todo o mundo, mulheres e meninas realizam três quartos do trabalho de cuidado necessário para manter as famílias e a sociedade.

Se todo esse trabalho fosse remunerado com um salário mínimo em seus respectivos países, esse montante salarial alcançaria 11 trilhões de dólares (ou 15% do PIB global).

Não é impressionante?

“O que eles chamam de amor, nós chamamos de trabalho não pago”

Me chama muito a atenção pensar que as atividades mais importantes para a sobrevivência da humanidade são exercidas gratuitamente por mulheres.

A economia do cuidado tem impacto direto no PIB. Afinal, não existe economia se não houver vida. A população de um País só consegue produzir bem se estiver alimentada, limpa e saudável (física e emocionalmente).

Mas com tantas atividades não remuneradas na agenda, quanto tempo (e energia) sobra para uma mulher investir para crescer na sua carreira, ganhar mais e fazer a economia girar?

O que existe hoje é uma verdadeira romantização da mulher guerreira, que dá conta de tudo em múltiplas jornadas: casa, filhos, exercícios, autocuidado, estética, trabalho e estudo.

O ponto é: se as tarefas domésticas e de cuidado fossem distribuídas de forma justa entre homens e mulheres, nenhuma mulher precisaria ser guerreira. Ser apenas um ser humano adulto e funcional (capaz de cuidar de si) já seria suficiente.

E ao trazer uma perspectiva racial para essa discussão, a situação se agrava ainda mais. Dados do IBGE mostram que 65% das trabalhadoras domésticas no Brasil são negras.

Não é preciso ir muito longe para constatar como esses números refletem bem a nossa realidade. Para que uma mulher branca consiga construir uma carreira e cuidar da sua família, ela vai precisar terceirizar pelo menos uma parte das suas atividades domésticas para uma mulher negra.

E, se as mulheres que trabalham fora ganham menos do que os homens que exercem a mesma função, quanto elas poderão pagar para suas diaristas? E para suas babás?

O mesmo estudo do IBGE aponta que o rendimento médio mensal das domésticas caiu de R$ 1.016 em 2019 para R$ 930 em 2020. E que as trabalhadoras sem carteira ganharam 40% a menos do que as com carteira. Já, as mulheres negras no serviço doméstico receberam 20% a menos do que as não negras.

Na prática, isso significa que, além de terem que cuidar das próprias casas e dos próprios filhos, as mulheres negras ainda acabam assumindo as tarefas domésticas das mulheres brancas, que têm mais e melhores oportunidades no mercado de trabalho.

A desvalorização da economia do cuidado é um problema estrutural não só no Brasil, mas em todo o mundo. E todos esses estudos revelam também o quanto ainda precisamos evoluir como sociedade para alcançarmos tanto a igualdade de gênero, quanto a racial.

Diante desse cenário, fica a dúvida: feliz dia das mães para quem?

***

Se quiser se aprofundar mais no tema da economia do cuidado, recomendo três conteúdos:

E lá no Instagram da Repenseria, que é a minha consultoria de comunicação para empresas do mercado financeiro, eu trago dicas e reflexões para te ajudar a lidar com o seu dinheiro de forma mais consciente e inteligente.

Se você curte o meu conteúdo, assine a minha newsletter para acompanhar tudo o que tenho escrito por aí.

Até a próxima coluna!

Jenifer Corrêa

Jornalista formada pela USP, com 15 anos de experiência na área de Comunicação, gerindo projetos de conteúdo e educação financeira. Atuação em grandes instituições financeiras, como B3, Serasa Experian, Itaú e Santander, na agência de notícias Thomson Reuters e nas startups GuiaBolso e alt.bank. Pós-graduada em Administração de Empresas pela FGV. Fundadora da Repenseria, consultoria independente de comunicação e conteúdo, especializada em finanças.

  oie@repenseria.com