Se um ser humano pudesse se transformar no produto mais útil e ‘benéfico’ possível, ele se tornaria um Batman, Super-Homem ou Capitão América. Cada pessoa tem suas qualidades especiais (‘poderes’) do mesmo modo que mercadorias possuem atributos próprios.

Os Vingadores exibem suas cores diferentes, assim como uma linha completa de xampus ou refrigerantes: todos eles demonstram uma capacidade particular (o verde é para cabelos lisos; o vermelho, para cacheados; o azul tira a oleosidade → o Hulk fica forte e com raiva; o Homem-Aranha é ágil e lança teias; o Aquaman se comunica com peixes; etc.). – Qualquer um desses revela uma competência diversa e singular. E nós aprendemos sobre esses personagens e de que forma adquiriram seus powers do mesmo jeito que um vendedor nos explica todas as funcionalidades de uma máquina de lavar ou micro-ondas: a estrutura de suas narrativas é idêntica à lógica de fabricação de um artigo de consumo.

Vemos constantemente de que maneira eles perdem sua naturalidade de matéria-prima (homem ou mulher comuns) e se encantam para virar celulares, televisões, computadores etc. (‘super-heróis’). Mesmo vigilantes que não dispõe de super-poderes mostram através de seus uniformes (embalagens) que já abandonaram sua condição de natividade (insumo).

Isso dito, foquemos no “The Flash”. Assim como todos os outros super-heróis, ele é um ser-humano metamorfoseado em mercadoria. Barry Allen não é literalmente um carro igual aos Transformers; mas, certamente, ele é um instrumento de locomoção. Se ele é uma alegoria para um trem-bala ou foguete não vem ao caso. O que importa, de fato, é que seus ‘poderes’ o convertem em uma ferramenta eficaz para a sociedade como um todo. As pessoas estão a toda hora utilizando o Flash para mudar objetos de lugar, transportar pessoas e policiar várias regiões ao mesmo tempo. – Até aí não há nada de muito novo nesse filme.

Entretanto, o que ocorre nesse longa-metragem é que esse produto-instrumento chamado The Flash começa a apresentar problemas de autocontrole (defeitos de fábrica). A obra inteira, basicamente, gira em torno dessas ‘disfunções’. Averiguamos, portanto, uma mercadoria buscando se consertar para salvar o mundo de seus próprios erros.

Bonecos, por muito tempo, foram a maneira mais infantil de ver a forma humana se tornando produto. E, ultimamente, parece que o cinema tem contribuído muito para a ‘fantochização’ do herói. – Os gregos antigos divinizavam ou imortalizavam seus ídolos; hoje, nós os vitrinizamos através da figura do brinquedo.

Michael Gartrell

Formado em filosofia, hoje levo adiante um doutorado sobre a história da percepção. Escritor e acadêmico voltado para pintura e cinema.

A arte, muitas vezes, é inconsciente da realidade que ela manifesta. Estamos aqui para entender o que ela tornou visível mas se recusa a enxergar.

  michael.gartrell@hotmail.com