Tudo em todo lugar ao mesmo tempo

Esse filme resume, de certa forma, a cosmologia da pós-modernidade. Poderíamos dizer que essa obra, efetivamente, torna sensível, imagético, os valores abstratos da nossa realidade atual.

O tema central de “Tudo em todo lugar ao mesmo tempo” é a doença da nossa época, por mais que em nenhum momento alguém faça menção direta a ela: a saber, a ansiedade.

A personagem principal, Evelyn Quan Wang, é paulatinamente ensinada a transitar entre universos paralelos para combater um ‘mal’ que ameaça a totalidade da existência.

Todavia, o longa-metragem não é uma estória de super-heróis combatendo os capangas, planos e morais de um vilão. Há, sem dúvida, cenas de luta, explosões e efeitos especiais nessa narrativa.

No entanto, ela não é sobre o conflito, a ‘ação’ em si: essa produção se concentra especificamente na vontade de viver todas as vidas possíveis.

É nesse sentido que ela se foca no cerne da patologia mais abrangente e determinante da nossa era – o medo da possibilidade (ansiedade).

Quando entramos no Instagram ou Facebook, sempre pensamos que a experiência que estamos observando é melhor, mais bonita, mais profunda que a nossa.

Estamos constantemente admirando as vivências dos outros e refletindo sobre porque a nossa não é igual.

Projetamos e idealizamos as fotografias que vemos em nossos celulares, que simbolizam, em último caso, as existências que gostaríamos de encarnar.

Entretanto, esse processo de sonho ou devaneio sobre as atividades, trabalho, festas, relacionamentos etc. do outro não passam de um mito, um mito escondido.

Na verdade, não queremos estar naquele emprego, naquele bar, naquele namoro etc. O que buscamos, no fundo, é fugir da nossa profissão, do boteco onde estamos, do casamento que empurramos.

E isso o filme mostra cirurgicamente: Evelyn aprende que o mal-estar do ser ‘multiversal’ é nunca estar presente em um lugar só, em uma linha-de-tempo apenas.

Esse viajante dimensional está continuamente insatisfeito com seu ‘aqui’ e ‘agora’ porque sempre é possível estar em outro tempo, em outro mundo.

Porque ficar nesse churrasco se posso estar nessa outra chácara, com outras pessoas, falando de assuntos diferentes e fazendo coisas mais interessantes?

Essa é a enfermidade do século XXI, o problema da nossa condição presente. Queremos tudo, ao mesmo tempo, imediatamente; porém, nem ‘aqui’ e ‘agora’ conseguimos ficar. – A sensação de impotência, decepção e tristeza são consequências inevitáveis em nosso período histórico.

É possível escolher uma vida só entre todas as que nos são apresentadas? Conseguimos ser felizes, estar satisfeitos com a única existência que temos? O filme tenta dar uma resposta, por mais óbvia e precária que ela seja.

Michael Gartrell

Formado em filosofia, hoje levo adiante um doutorado sobre a história da percepção. Escritor e acadêmico voltado para pintura e cinema.

A arte, muitas vezes, é inconsciente da realidade que ela manifesta. Estamos aqui para entender o que ela tornou visível mas se recusa a enxergar.

  michael.gartrell@hotmail.com