Guilherme Profeta conta através dos quadrinhos os relatos de sobreviventes da bomba atômica de Hiroshima (6 de agosto de 1945).
Lançado em julho de 2020 no Brasil, a obra “Projeto Hibakusha” é um livro-reportagem em quadrinhos e levou cerca de dois anos para ser produzido, mais especificamente entre os anos de 2018 e 2020 e apresenta entrevistas com os sobreviventes desde grande evento.
Agaquê – Essa é sua primeira obra em quadrinhos?
Não. Em quadrinhos, é a terceira. A primeira experiência autoral com quadrinhos foi “Melissa em Ellipsia”, de 2016, e a segunda foi “?KIN”, de 2019.
Agaquê – Guilherme, quando surgiu a ideia de iniciar esse projeto?
Foi durante a minha pesquisa de doutorado. “Projeto Hibakusha” surgiu como um projeto experimental paralelo à pesquisa acadêmica que eu desenvolvia naquele momento, sobre a educação de novos jornalistas.
Agaquê – Porque quadrinhos e não um livro com fotos e depoimentos?
Porque eu já fazia as duas coisas: quadrinhos, mais como hobby do que qualquer outra coisa, e jornalismo, profissionalmente.
Eu sabia que, em algum momento, eu teria de juntar as duas coisas — não que elas sejam completamente diferentes, na verdade, já que ambas são “contar histórias”. Eu só estava esperando a história certa aparecer.
Agaquê – Você entrevistou sobreviventes da bomba atômica de Hiroshima, como foi o desafio de transformar as mensagens para uma hq?
Todo jornalismo é mediação, então esse desafio — o olhar crítico para a (im)possibilidade de representar a realidade como se a narrativa fosse um espelho — já era um velho conhecido. Isso é algo que discuto bastante com meus estudantes como professor de Jornalismo.
Agaquê – Sua obra é uma carta para as novas gerações?
Seria pretensioso responder que sim, no sentido de ser uma “carta pela paz” ou algo nesse sentido. Eu espero que seja, ao menos, um bilhete pela paz. Uma mensagem muito sutil, somada a milhares de outras tentativas.
Mas é, com certeza, um manifesto sobre o jornalismo.
Gosto de pensar nesse livro não como “uma reportagem sobre os sobreviventes da bomba atômica”, mas como “uma reportagem sobre uma reportagem sobre os sobreviventes da bomba atômica”, porque é metajornalismo: jornalismo sobre jornalismo.
Esse é o aspecto que mais gosto desse livro. Antes da HQ em si, há uma carta ao leitor que talvez seja a parte mais cara de toda a publicação para mim (eu gosto de pensar no livro, particularmente, como um manifesto que acompanha uma reportagem, e não o contrário).
Então, nesse sentido, eu diria que é uma carta para o jornalismo — talvez até para as novas gerações de jornalistas, se você quiser pensar assim.
Agaquê – Quem mais participou do projeto? Conte-nos um pouco do papel de cada participante.
Ligia Zanella foi a ilustradora responsável pela arte do projeto. Já havíamos colaborado no passado para a publicação de “Melissa em Ellipsia”.
Já o design e a diagramação ficaram sob a responsabilidade de Priscila Nakajima, que também foi a designer de “Melissa em Ellipsia”. Ambas muito talentosas e produtivas. Eu não poderia pedir uma equipe melhor.
Agaquê – O projeto conseguiu apoio de financiamento coletivo online, como foi a campanha, quais argumentos utilizou para convencer os internautas a apoiar?
O crowdfunding é uma resposta à editoração comercial tradicional, que permite viabilizar projetos alternativos, experimentais, que podem dar certo ou não.
Eu uso muito enquanto leitor e, ocasionalmente, enquanto produtor do meu próprio conteúdo experimental. Por já não ser o nosso primeiro projeto nessa modalidade, tivemos o privilégio de contar com uma base de leitores apoiando a ideia desde o princípio. Isso é muito legal, porque fica claro que existe, no Brasil, um nicho de leitores procurando leituras alternativas. É bastante revigorante.
Agaquê – Você teve de viajar para o Japão durante as pesquisas de produção ? Como foi a recepção dos entrevistados diante de um assunto tão carregado emocionalmente?
A imersão in loco e a reprodução de emoções intrinsecamente subjetivas faziam parte da proposta, então viajar para Hiroshima era parte do planejamento desde o princípio. Parte da história — o encontro com a Morte, especificamente — precisava ser contada lá. A viagem aconteceu em janeiro de 2020, antes da pandemia.
Agaquê – Tudo o que foi pesquisado foi para o livro ou teve algo que achou melhor vetar?
Contar uma história é fazer escolhas. Nem tudo entrou para o livro; há muitas outras histórias a serem contadas, que nós tivemos de deixar de fora por razões diversas. Não sei se eu voltaria a visitar essa mesma temática um dia… Talvez sim, mas provavelmente não. Mas talvez essas histórias possam ser contadas por outras pessoas. O importante é que elas não deixem de contadas.
Agaquê – Pretende lançar a obra em outros idiomas? Japonês? Inglês?
Não é uma possibilidade que eu veto, ainda que não haja previsão de nada nesse sentido neste momento.
Agaquê – Qual o próximo passo? Já temos novo projeto em mente?
Há um roteiro registrado e engavetado, aguardando pelo artista certo… Se “Melissa em Ellipsia” era uma história sobre escrever ficção, e “Projeto Hibakusha” foi uma história sobre escrever realidade, esse novo roteiro é uma história sobre a origem da inspiração. Mas não há previsão de produção por enquanto.
Agaquê – Como nossos leitores podem adquirir a obra, quais os locais de venda?
O livro está disponível no site da ilustradora Ligia Zanella: https://ligiazanella.com.br/