Oppenheimer

Como fazer uma obra de arte sobre algo invisível? De que forma podemos filmar aquilo que excede as capacidades de nosso olho? É possível mostrar o átomo? Todo o perigo contido dentro dele? A destruição que dorme em suas partículas?

Nós não evoluímos de forma a enxergar o mundo quântico. Nossa visão se desenvolveu por milhões e milhões de anos para identificar leões e guepardos na savana. A retina humana se tornou o que é para saber se é dia ou noite; se frutas estão maduras ou não; se o rio está distante ou perto. Ela não se adaptou durante essas eras inteiras de caça e fuga, de colheita e seca, a observar a natureza de um próton ou elétron. Simplesmente, tal objetivo ou habilidade nunca determinou se iríamos viver ou morrer. – Até agora.

Até meados do século XX, bastava saber a ‘realidade’ de coisas de tamanho médio. Era importante conseguir ver cadeiras, mesas, carruagens, armas, facas, pessoas, animais selvagens, árvores etc. No entanto, hoje em dia, esse poder ótico não é o suficiente para nos alertar de certas ameaças – das mais graves e letais das ameaças. 

O crítico de cinema da IGN, Siddhant Adlakha, disse que o longa-metragem é um dos mais “abstratos” do Christopher Nolan até o momento. Eu concordo com ele – mas por diferentes razões das que ele elucidou. “Oppenheimer” é um filme abstrato, sim; porém, ele só o é porque seu maior vilão é infilmável, não-fotografável. Como, então, fazer o espectador sentir medo e levar a sério um risco que, com a tecnologia atual, não consegue aparecer em uma tela?

A película inteira se baseia nessa busca, porque realmente precisamos ficar aterrorizados perante a potência de um átomo. E esse horror somente se concretiza quando é tarde demais, quando seu efeito é irreversível, quando não é mais possível não-ver a verdade mais sólida dessas partículas… Quando exatamente? – Quando a bomba explode.

É nesse nítido momento que percebemos a pura agonia do cientista J. Robert Oppenheimer.

“”Eles não sentirão medo enquanto não entenderem. E eles não entenderão até eles usarem.”

É isso o que ele diz para um de seus colaboradores, em certa altura do filme. Eu só acrescentaria: “E nós, o público, apenas entenderemos a bomba atômica quando a assistirmos detonar”. Somos esse tipo de ser primitivo – que necessita ver para crer.

Quantas pessoas não negaram a existência do COVID-19 até um familiar morrer? Quantos indivíduos não entram em situações extraordinariamente perigosas unicamente porque a ameaça é impalpável? Chernobyl? O retorno da poliomielite? Um submarino?

Esse filme é profundamente antropológico. Nossa civilização progrediu, avançou, mas meus órgãos sensoriais, não. Todos nossos corpos estão prontos para detectar lobos e mangas vermelhas; contudo, nenhum de nós foi programado biologicamente para ficar com medo de micro-riscos – desses perigos ‘abstratos’ da sociedade moderna.   

– Essa é a função de “Oppenheimer”. Fazer com que as pessoas sintam terror de algo que ninguém consegue perceber – até ser tarde demais.

Michael Gartrell                         2023

Michael Gartrell

Formado em filosofia, hoje levo adiante um doutorado sobre a história da percepção. Escritor e acadêmico voltado para pintura e cinema.

A arte, muitas vezes, é inconsciente da realidade que ela manifesta. Estamos aqui para entender o que ela tornou visível mas se recusa a enxergar.

  michael.gartrell@hotmail.com